— Amor, o café tá pronto. Do jeitinho que você gosta — forte e sem aquele a?úcar escondido que você sempre reclama —, disse Olivia, ainda de robe de seda, com um sorriso discreto nos lábios.
Gaspar entrou com passos firmes, a camisa dobrada nos antebra?os como quem se preparava para resolver tudo com as próprias m?os. Lan?ou a ela um olhar rápido, acompanhado de um meio sorriso cúmplice, como se agradecesse em silêncio. Os olhos, distantes, pareciam já enxergar os desdobramentos do dia. Sentou-se em silêncio, pegando a xícara com um aceno contido.
— Você viu as apreens?es recentes? Est?o apertando nas rotas costeiras. Vai deixar o caminho livre pro Raymond ou pra aquela mulher da Copas? Você sabe que eu detesto quando você fica parado só observando — disse Olivia, com os olhos semicerrados, testando o humor do marido.
Gaspar bebeu o café devagar antes de responder:
— Vou mandar Dante verificar a situa??o.
— Por que n?o o Sérvulo? Ele sempre resolve essas coisas com mais... intensidade — provocou Olivia, inclinando levemente a cabe?a.
— Ele está ocupado.
— E o que, exatamente, pode ser mais urgente do que garantir um novo mercado inteiro sob nossos pés?
Gaspar pousou a xícara, olhou para a esposa por um momento longo antes de responder:
— Ele está atrás da ladra que roubou o colar da Olga. Conseguiu imagens das cameras da polícia e localizou um informante dela na fac??o. O espi?o está preso.
Olivia suspirou, cruzando os bra?os e desviando o olhar para a janela com um semblante tenso, mas sem perder a firmeza de quem conhecia cada nuance do marido:
— Se já sabem o rosto dela e já têm o espi?o preso, ele vai achá-la eventualmente. Mas essa chance de tomar o controle das rotas... ela n?o vai durar muito se ficar parada demais.
Gaspar permaneceu em silêncio por alguns segundos. Levantou-se, caminhando até a janela com o celular em m?os. Os olhos se fixaram na linha do horizonte.
Nesse momento, Olga surgiu no ambiente, ainda com a energia de quem n?o carregava preocupa??es:
— Bom dia, mam?e. Bom dia, papai.
Ela deu um beijo na bochecha de Gaspar, sem notar o peso no olhar do pai, e sentou-se alegremente ao lado da m?e, já de olho nas frutas da mesa. Gaspar tocou a tela do celular.
— Dante, venha à minha casa. Traga o Sérvulo.
Por volta das dezenove horas, o Royal Café estava em seu habitual burburinho. O cheiro de café moído e o som de pratos tilintando davam ao lugar um ar acolhedor, apesar do que se tramava em silêncio. Sena e Sebastian sentaram-se à mesa junto à janela, em silêncio atento, como se esperassem que o mundo ao redor soprasse respostas. Sylvia estava ao fundo, lendo um livro. Camila chegou com dois cafés e, com um sorriso sutil, afastou-se.
— Acho que vamos nos dar bem, ela e eu — murmurou Sena, observando Sylvia.
— Primeiro ela precisa aceitar guiar a fac??o de Paus — respondeu Sebastian. — Bruno e Rickson mandaram algo a mais?
— Apenas mensagens curtas. Eu respondi, mas até agora, nada — disse Sena, franzindo o cenho. — Talvez tenham resolvido o problema por conta própria. Ou talvez estejam hesitando em dizer algo mais sério.
Sebastian apoiou os cotovelos na mesa, olhando para o fundo da xícara. Permaneceu em silêncio, os olhos fixos em Sylvia por um instante mais longo do que o normal.
— Se eles realmente resolveram por conta própria... só pode significar uma coisa....
— Est?o considerando mudar de lado. — Sena completou.
O silêncio de Sebastian se estendeu por alguns segundos, até que o som de passos leves o quebrou. Vince havia chegado, cumprimentando Sylvia com um beijo na bochecha. Sena sorriu discretamente.
— Bonito, o rapaz. Você sabe algo sobre ele? — perguntou.
— N?o — respondeu Sebastian.
— Também n?o reconhe?o. O que, sinceramente, é um bom sinal.
A porta se abriu novamente e Mirio surgiu com sua habitual calma, como se já soubesse o que cada um ali estava prestes a dizer.
— Boa noite — cumprimentou. — Bruno e Rickson est?o nervosos. Um passarinho me contou algumas coisas.
Sena bufou discretamente.
— O ás e a rainha de copas se encontraram no distrito da luz vermelha e seguiram para o porto. — Mirio fez uma pausa. — E Sérvulo, estava ca?ando ferozmente alguém até hoje cedo. Mas, curiosamente, ele e Dante estiveram na casa de Gaspar.
Sebastian e Sena se entreolharam.
— Algo me diz que o galp?o desativado do porto vai acordar esta noite... e com barulho — completou Mirio.
Faróis baixos cortaram a neblina da rua estreita do porto antes que a BMW azul parasse com suavidade calculada. O ronco do motor cessou, e o silêncio revelou o som distante das ondas quebrando contra o cais e o estalo ocasional de cordas tensionadas.
Marcel desligou o motor. Ele e Arisa desceram com agilidade, os movimentos treinados e sincronizados. Arisa saltou as grades do porto com leveza, e Marcel, logo atrás, repetiu o movimento com a mesma naturalidade ensaiada. Nenhum dos dois perdeu o equilíbrio ao aterrissar, como se aquela coreografia fizesse parte da rotina.
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O ar era denso, com cheiro de maresia misturada ao ferrugem dos trilhos e óleo envelhecido que grudava nas narinas. à distancia, avistaram alguns homens descarregando pacotes amarrados ao casco de um pequeno cargueiro atracado com discri??o. Arisa estreitou os olhos.
— é o Bruno na porta, n?o é?
Marcel assentiu com um leve movimento de cabe?a. Aproximaram-se em passo firme, sem pressa. Bruno os viu e, de imediato, pareceu se retesar. Seus ombros endureceram, e ele ajeitou o boné de forma automática, como se ganhasse tempo para pensar.
— Boa noite, Bruno — disse Arisa com um sorriso brando, os olhos varrendo discretamente o entorno.
— Arisa. Marcel — respondeu com um aceno curto, como quem tenta manter as aparências. O olhar, no entanto, entregava seu desconforto.
Marcel sorriu, polido.
— Vejo que o turno da noite anda rendendo bem...
Arisa cruzou os bra?os com leveza, como quem apenas refletia em voz alta:
— Há quem diga que um novo ciclo está prestes a come?ar. às vezes, é melhor trocar de barco antes que ele afunde de vez, n?o acha?
Bruno hesitou, desviando o olhar por um instante.
— N?o sei do que vocês est?o falando — disse, mantendo a voz firme, mas evitando o olhar de Arisa.
Arisa n?o respondeu de imediato. Apenas caminhou dois passos para o lado, observando a movimenta??o ao longe com falsa casualidade.
— Só achei curioso que as for?as de seguran?a tenham conseguido fazer tantas apreens?es recentemente... — Ela fez uma pausa. — Quando o topo desaparece, muitos se descobrem desprotegidos, mesmo cercados de gente. E isso... costuma atrair predadores.
Bruno franziu a testa, cruzando os bra?os. Seu olhar caiu por um instante no ch?o entre eles, como se pesasse cuidadosamente as palavras de Arisa. A mandíbula estava rígida, e ele inspirou devagar antes de levantar os olhos novamente, cauteloso.
— O que exatamente vocês est?o oferecendo?
— Seguran?a, para come?ar. E lucro. Cinquenta por cento para a Madame. O resto, vocês dividem como quiserem — disse Marcel, observando cada microexpress?o do outro.
— Desde que o chefe morreu, a gente já divide cem por cento entre nós. — murmurou Bruno.
Arisa inclinou a cabe?a, interessada.
— O Douglas está por aqui? Faz tempo que n?o nos vemos, as garotas da loja est?o com saudades... — um sorriso se formou no rosto de Arisa.
Bruno desviou o olhar, um músculo do maxilar contraído. O silêncio falou mais alto do que qualquer resposta.
O som ritmado de passos sobre o concreto fez todos voltarem os olhos. Rickson surgiu pela lateral do galp?o, com a testa franzida e a m?o no bolso da jaqueta.
— Vocês conseguiriam deixar o ás aqui? Pelo menos até as coisas se acalmarem — perguntou Rickson, olhando fixamente para Marcel.
Arisa se virou para Marcel.
Ele manteve os olhos em Bruno e Rickson, mas respondeu:
— Vou consultar a Madame. Se ela concordar, ficarei por aqui — disse Marcel.
Arisa manteve o olhar fixo por um segundo nos olhos de Bruno, e ent?o desviou, voltando-se brevemente para o rosto de Marcel, que permanecia calmo. O contraste pareceu acentuar a inquieta??o repentina dela. Havia preocupa??o contida em seu rosto, uma tens?o quase imperceptível no maxilar. Ainda assim, ela manteve a postura serena.
Os dois homens se entreolharam.
— Se você come?ar a aparecer por aqui, a gente negocia — disse Rickson, mais flexível.
Marcel assentiu.
— Dou a resposta em breve.
O rangido do port?o metálico ecoou como um trov?o, quebrando a tens?o da conversa em mil fragmentos. A luz das lampadas externas recortou a figura de dois homens que avan?avam com passos lentos.
Dante parecia uma estátua sob o terno impecável. Ao lado dele, Sérvulo era puro desequilíbrio contido — sorriso torto, olhos faiscando, o caos à espreita.
— Negociando no escuro? Que feio. Pensei que ao menos esperariam os adultos chegarem... — disse Sérvulo, com a voz cortante, enquanto se aproximava. — N?o sejam tímidos... finjam que n?o estamos aqui.
Rita saiu do QG caminhando, como de costume. O céu já estava tingido por tons alaranjados, e a brisa da cidade soprava leve, carregando o cheiro misturado de asfalto e mar. Ela andou alguns quarteir?es até entrar em um mercadinho local. Pegou o que precisava: batatas nanicas, bacalhau, ovos e alguns temperos. Cumprimentou o atendente com um aceno breve, pagou em silêncio e voltou para a rua com as sacolas nas m?os.
O prédio onde morava era discreto, bem cuidado, com um hall iluminado por luz amarela suave. Passou o cart?o na portaria eletr?nica e subiu pelo elevador até o seu andar. Ao entrar, a familiaridade do apartamento trouxe uma sensa??o imediata de conforto. Espa?oso para os padr?es da cidade, tinha uma cozinha americana bem equipada e uma sala pequena com sofá, televis?o e uma estante com livros e recorda??es.
Rita tirou os sapatos ao entrar e pegou o celular. Digitou uma única mensagem: “estou em casa”. Depois, lavou as m?os, ajeitou o coque preso e come?ou a preparar os ingredientes. Cortou as batatas, distribuiu na travessa com os filés de bacalhau e dentes de alho. Derramou azeite com cuidado, salpicou pimenta-do-reino e outros temperos, finalizando com uma pitada de sal. Cobriu a travessa com papel alumínio, marcou o cron?metro e ligou o forno elétrico.
Foi ent?o ao quarto. Tirou o uniforme, soltou o coque e deixou os cabelos caírem livres sobre os ombros antes de entrar no chuveiro. Lavou o rosto com aten??o, como se quisesse tirar também o peso do dia. Ao sair, secou os fios com calma. Vestiu uma camisola e come?ou a se maquiar com precis?o tranquila. Quando terminou, o cron?metro apitou.
Ela foi até a cozinha, retirou o papel alumínio da travessa, subiu a temperatura do forno e marcou mais quinze minutos. Nesse instante, o interfone tocou. Ela olhou o visor e viu Fitz. Um leve sorriso surgiu. Apertou o bot?o e abriu o port?o.
Pouco depois, ele estava à sua porta com uma garrafa de vinho em m?os. Rita conferiu o corredor pelo olho mágico, ent?o abriu a porta. Ao vê-la daquela forma, Fitz sorriu largo, os olhos brilhando com uma mistura de desejo e ternura. Deu um passo à frente, puxou-a suavemente pela cintura e a envolveu com os bra?os, como se o mundo ao redor pudesse desaparecer ali mesmo.
O beijo que se seguiu foi profundo, denso de saudade e intimidade. As m?os dele passearam pelas costas dela, subindo até a nuca, onde seus dedos entrela?aram-se nos fios ainda soltos do cabelo. Ele a colou ao corpo, sentindo o calor da pele por baixo do tecido leve, e a beijou novamente, com mais fome dessa vez, deixando os lábios descerem até o pesco?o dela.
Ela riu contra os lábios dele e o afastou levemente com um dedo no peito.
— Só depois do jantar. Me dei ao trabalho de cozinhar, ent?o você vai comer — disse, bem-humorada.
— Sim, senhora — respondeu Fitz, ainda sorrindo, e entrou, fechando a porta com o pé.
Enquanto Rita vestia um short, ele abria o vinho com naturalidade, tirando duas ta?as do armário como quem já sabia onde tudo estava. Sentaram-se à bancada da cozinha, lado a lado, e brindaram em silêncio.
Fitz tentou puxar assunto sobre a coletiva mais cedo, mas ela levou o indicador aos lábios dele, depois ro?ou os dedos em sua bochecha.
— Hoje, n?o — murmurou, com um olhar calmo que dizia mais do que mil palavras.
Beberam o vinho em silêncio confortável, trocando sorrisos e olhares longos. Quando o forno apitou, Rita se levantou e serviu os dois com esmero. Comeram devagar, entre pequenas provoca??es, risadas abafadas e toques ocasionais nos bra?os e m?os.
Ao final do jantar, com o vinho quase no fim e o calor entre os dois crescendo, Rita encostou a cabe?a no ombro de Fitz. Seus dedos tra?aram distraidamente os músculos do bra?o dele. Fitz pousou uma das m?os sobre a dela, entrela?ando os dedos, e a beijou com suavidade.
O beijo logo se aprofundou. Ele se levantou com ela nos bra?os e a levou ao quarto com a naturalidade de quem conhecia cada passo do caminho. Os risos suaves deles se misturaram à quietude da noite, dissolvendo-se aos poucos no calor crescente que preencheu o ambiente.
Depois, Rita estava sob as cobertas, respirando pesadamente. Olhou para o teto e sussurrou:
— Por que eu esperei tanto pra te chamar de novo?
Fitz riu baixinho, acariciando sua coxa com os dedos.
— Desde que Federico morreu, você n?o tem respirado. Só trabalha.
Ela suspirou e virou o rosto para ele.
— Ei, Fitz... o que você acha de quando as coisas se acalmarem...
O celular vibrou na cabeceira. Ela rolou até ele, murmurando um pedido de licen?a. Atendeu.
— Comandante, temos uma ocorrência urgente — disse Roberto, do outro lado.
Ela se sentou, ouvindo com aten??o. O tom mudou.
— Feche as vias de acesso ao depósito. Mobilize o Lector e o Fred. Estou a caminho.
Desligou. Olhou para Fitz com um olhar que misturava cansa?o, foco e uma pontinha de frustra??o.
— Vou precisar da sua ajuda.
Arisa e Marcel.