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Capítulo 106 - Martelos e Melodias

  O sol tingia o vasto horizonte com uma paleta de dourado e laranja, enquanto os raios de luz cortavam a névoa do dia cinzento que por algum motivo pairava sobre a cidade. Sem a presen?a de Ana, o reino, que havia emergido das ruínas com tanto esfor?o, parecia respirar por si mesmo, uma entidade viva e pulsante. As torres recém-construídas lan?avam sombras longas que dan?avam suavemente sobre as ruas de pedra, enquanto a cidade despertava para mais um dia de trabalho. A vida fervilhava nas artérias desse estranho povo, mas mesmo com a harmonia aparente, havia uma tens?o sutil no ar.

  Gabriel caminhava pelas ruas bem organizadas, observando o movimento ao seu redor. O som ritmado dos martelos ecoava das oficinas de constru??o, misturado ao zumbido distante das forjas e ao canto dos pássaros que passeavam nos telhados das casas. Os mascarados e bestiais passavam por ele e o saudavam com respeito, enquanto o anjo avaliava o progresso. Tudo parecia estar em ordem, mas a press?o de manter tudo funcionando sem Ana estava sempre presente em sua mente.

  Ao chegar ao setor de constru??o, Gabriel avistou a forja monumental. A estrutura, feita de pedra negra e a?o refor?ado, erguia-se como uma fortaleza em meio ao fervor dos trabalhadores. O calor irradiava de dentro, criando ondula??es no ar, enquanto as chamas consumiam vorazmente o combustível, tingindo o ambiente com um brilho alaranjado.

  — Bom dia, Jorge — cumprimentou Gabriel, aproximando-se. — Como está o progresso?

  O conselheiro bateu suas m?os calejadas no avental, tirando a poeira e o negrume do carv?o, e logo virou-se para o anjo. Após um gesto instintivo de limpar o suor inexistente da testa com as costas da m?o, deu um sorriso satisfeito, mas seus olhos revelavam a exaust?o de quem tem trabalhado sem parar.

  — A forja final está quase pronta, Gabriel — respondeu o homem, a voz grave ecoando sobre o ruído constante dos martelos. — Com mais alguns dias de trabalho, poderemos aumentar a produ??o significativamente. Praticamente dobrar nossa capacidade de criar ferramentas.

  Gabriel assentiu, seus olhos percorrendo os detalhes da constru??o.

  — Excelente. Ana ficará satisfeita ao ver isso quando voltar. Apenas precisamos garantir que tudo continue funcionando sem problemas até lá.

  O conselheiro robusto assentiu, no entanto sua aten??o estava em um pequeno desajuste no movimento de um grupo de trabalhadores.

  — Desculpa, mas preciso resolver isso — disse ele, já se afastando para se aproximar de um mascarado e um bestial que estavam prestes a derrubar uma grande viga de ferro. — Ei! Cuidado com isso! Prestem aten??o, ela precisa ser posicionada exatamente no centro ou teremos problemas mais tarde!

  Com as palavras do engenheiro, os dois construtores congelaram por um momento antes de ajustarem suas posi??es. Gabriel observou a cena por mais alguns instantes, satisfeito com a eficiência de Jorge ao lidar com a situa??o. Ele sabia que, sob o comando dele, a expans?o continuaria conforme o planejado. Foi ent?o que um vulto vermelho passou a sua frente, e seus olhos sorriram em aprova??o.

  A garota rubra, Eva, movia-se como um raio por entre as divis?es, carregando um grande livro preso às costas, suas páginas preenchidas com uma infinidade de anota??es. Cada passo era rápido e preciso, seus olhos brilhando com determina??o enquanto verificava cada detalhe, riscando itens da lista e anotando o que ainda faltava. A pequena portadora da máscara de raposa era uma tempestade em forma de pessoa, sua mente constantemente processando múltiplas tarefas ao mesmo tempo.

  — Isso seria t?o mais fácil se eu tivesse um celular... — murmurou para si mesma, enquanto passava rapidamente pelos trabalhadores, que se afastavam para lhe dar passagem, conscientes de sua urgência.

  Ela observava os suprimentos, conferia os mapas e revisava as estratégias de distribui??o. Nada escapava aos seus olhos atentos. Era como se o reino fosse um quebra-cabe?a gigantesco, e Eva estivesse na responsabilidade de garantir que cada pe?a estivesse no lugar certo.

  Quando finalmente chegou ao quartel, uma vis?o inusitada a fez parar bruscamente. No campo de treinamento, Alex estava brigando ferozmente com o portador da rabugenta máscara vermelha e segundo conselheiro de guerra.

  — Você é um covarde, Fernando! Nunca aceita uma luta! — vociferou Alex, sua voz ecoando pelo campo.

  Fernando, por sua vez, mantinha a calma e seu habitual olhar era gélido, como se a raiva de Alex fosse um simples aborrecimento.

  — Só um idiota brigaria à toa, especialmente sendo feito de pedra. Já te disse mil vezes que se eu quebrar, já era.

  — Só ou?o as palavras de um covarde! Covarde! Covarde!

  Eva, que já estava à beira do limite, suspirou profundamente e marchou até os dois, com determina??o estampada no rosto.

  — Isso aqui n?o é hora nem lugar para brigas estúpidas, Alex! — disse ela, dando um soco leve no bra?o do guerreiro para chamar sua aten??o. — Precisamos nos concentrar, nada pode dar errado. Entendeu?

  — Ah, deixa disso — Alex, ainda contrariado, revirou os olhos. — Está tudo caminhando bem até agora, n?o é?

  — N?o! Eu t? o dia todo na rua, e você tá só relaxando e tendo discuss?es ridículas!

  Fernando, já tendo visto brigas semelhantes dos dois conselheiros por dias a fio, deu de ombros e, sem mais delongas, voltou ao campo de treinamento, onde os guerreiros repetiam incansavelmente os golpes que Alex havia lhes ensinado.

  O som de cada ataque reverberava no ar, um ritmo controlado que ecoava entre os muros sob o olhar vigilante do grande homem. O ch?o vibrava levemente com os impactos, cada golpe era preciso, cada defesa, impecável. Eles se moviam como uma unidade coesa, cada um complementando o outro, criando um espetáculo de for?a e técnica.

  De repente, uma vibra??o intensa veio de um pequeno colar que Eva usava em torno do pesco?o. Seu rosto empalideceu ao perceber o significado daquela mensagem.

  — N?o tenho tempo para discutir, Alex — disse a garota, já se afastando com pressa. — A comunica??o está uma bagun?a, e entregaram os itens nos lugares errados. Eu sabia que algo assim podia acontecer...

  Sentindo-se sobrecarregada, ela saiu em disparada em dire??o ao setor afetado, deixando Alex sozinho com seus pensamentos. Ele a observou se afastar, e uma mistura de culpa e preocupa??o come?ou a se instalar dentro dele. Por mais que tentasse manter sua fachada indiferente, a seriedade da situa??o come?ava a penetrar sua armadura de bravata.

  O guerreiro de máscara demoníaca azul se virou para o campo de treino e caminhou para o lado de Fernando, sentindo uma responsabilidade maior pesar sobre seus ombros.

  — Eles s?o incríveis lutando… verdadeiros monstros — comentou, quebrando o silêncio. Sua voz estava carregada de genuína admira??o enquanto observava os mascarados praticando a arte Vajramushti recém aprendida com uma maestria inquestionável.

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  — Sem dúvida — respondeu Fernando, assentindo com um sorriso que trazia um toque de melancolia. — Mas essa habilidade n?o veio fácil. Foram anos de treinamento intenso, for?ados a se adaptar rapidamente para sobreviver aos ataques constantes.

  Ele fez uma pausa, enquanto observava um mascarado girar sobre si mesmo, desferindo um golpe devastador que parou a poucos milímetros do peito de seu oponente.

  — Felizmente, como n?o precisamos dormir, tivemos tempo de sobra para aperfei?oar nossas habilidades — continuou Fernando, apertando os punhos ao se lembrar das lutas travadas. — Enfim, nos tornamos mestres em muitas coisas, e mesmo sem mana, temos uma vantagem tática pela falta de fadiga.

  Alex assentiu, absorvendo lentamente as palavras de Fernando. Ele sempre soubera que os mascarados eram especiais, mas ouvir sobre o quanto haviam lutado para alcan?ar aquele nível de excelência aumentava ainda mais seu respeito por eles.

  — Me lembram da Ana.

  — é bom ouvir isso — respondeu Fernando com um sorriso mais leve.

  — Bom, fico feliz que estejam do nosso lado — continuou Alex, cruzando os bra?os. — Ter vocês como aliados faz toda a diferen?a em uma batalha prolongada.

  — Pode parecer, mas na verdade, batalhas prolongadas n?o s?o nosso forte. Com esses corpos rígidos, um golpe bem dado pode ser fatal, ent?o nosso ideal é sempre encerrar as lutas o mais rápido possível — Fernando imitou o gesto de Alex, cruzando os bra?os e balan?ando a cabe?a de forma resignada. — Por isso somos t?o gratos pelo ensino de artes marciais mais avan?adas. O domínio absoluto é a única forma segura de enfrentarmos nossos inimigos.

  — Entendi… imagino que os caras novos ajudem a reduzir esse risco.

  Seus dedos apontaram um grupo de selvagens que, um pouco afastados, tentavam imitar os movimentos dos mascarados. Seus corpos volumosos e desajeitados tornavam os movimentos precisos e elegantes da arte Vajramushti em algo que beirava o c?mico. As pernas de um deles se enroscaram em um golpe giratório, resultando em uma queda desastrosa. Outro bestial tentou em v?o replicar um soco que parecia ondular, mas o movimento saiu descoordenado, com o pé raspando no ch?o na troca de postura.

  Fernando observou a cena ao lado de Alex, mudando as m?os para trás da cabe?a em um gesto despreocupado.

  — Eles têm muita vontade, mas falta a finesse — disse a estátua, com uma pitada de humor. — Mas continue olhando…

  Apesar da execu??o ainda desajeitada, havia algo interessante em como continuavam repetindo os movimentos, sem desistir. Com cada repeti??o, parecia que algo estava mudando, se ajustando. Os movimentos come?avam a se tornar mais fluídos, menos for?ados, como se a repeti??o estivesse lentamente se sincronizando com seus dons naturais.

  — Está vendo? — continuou o homem da máscara vermelha, inclinando-se levemente para a frente. — Eles nunca v?o dominar a técnica, mas têm algo que nós n?o temos: instinto. O que come?a como uma imita??o desajeitada pode, eventualmente, se transformar em algo bem perigoso.

  Alex assentiu, fascinado com o processo. Ele podia ver o potencial bruto nos bestiais, algo que estava apenas come?ando a ser moldado.

  — é como se a arte marcial estivesse sendo traduzida para uma nova linguagem. As muta??es s?o realmente interessantes…

  — Dessa vez é você quem está me lembrando a Ana! — exclamou Fernando, gargalhando alto.

  Alex também sorriu, co?ando a cabe?a de forma envergonhada, quando de repente sentiu um arrepio correr por sua espinha. Ele ouviu um som estranho, quase inaudível, mas que de alguma forma perturbava o ar ao seu redor. Ele franziu a testa, concentrando-se no ruído.

  — Você também está ouvindo isso? — perguntou, tenso.

  Fernando parou e inclinou a cabe?a, escutando atentamente antes de concordar com um aceno.

  — Sim. é estranho… algo está fora do lugar.

  — Droga… todos vocês, peguem as armas e me sigam!

  Sem perder tempo, come?ou a correr em dire??o ao estranho evento. Suas botas batiam ritmadamente contra as pedras enquanto passavam pelas ruas da cidade, seguindo o barulho até um canto mais isolado, onde o som parecia mais forte. Após uma corrida apressada, eles se depararam com uma cena bizarra: um grupo de bestiais movia-se de maneira estranha, como se estivesse em transe ou desorientados.

  Alex e Fernando se aproximaram, prontos para o combate, com suas armas firmes em suas m?os. Mas, à medida que chegavam mais perto, algo os fez parar. No meio da confus?o, perceberam uma melodia se sobressaindo ao barulho, uma música animada e inusitada que parecia se infiltrar em seus ouvidos.

  Eles ergueram os olhos e, para sua surpresa, viram Nyx sentada casualmente no topo de uma casa, dedilhando alegremente um alaúde. A música era cativante, e os bestiais, que antes pareciam desordenados, em realidade se balan?avam ao som da melodia, seus corpos se movendo com uma fluidez inusitada.

  — Est?o… dan?ando? — murmurou Alex, confuso, seu olhar fixo na cena surreal diante dele.

  O cheiro de carne grelhada misturava-se no ar, e Alex percebeu que realmente n?o havia panico, mas sim uma celebra??o.

  — Fico feliz que vocês vieram festejar também! — gritou Nyx do alto da casa, sua voz ecoando com um toque de divers?o, enquanto continuava a tocar a música com entusiasmo.

  Alex encarou a Sombra, ainda sem entender completamente a situa??o. Ele nunca sabia ao certo o que esperar dela.

  Percebendo do que se tratava, o pugilista soltou um suspiro profundo e aliviado. O peso da tens?o que sentia desde o momento em que Ana deixou a cidade come?ou a se dissipar, substituída por uma estranha sensa??o de relaxamento. Com um sorriso que misturava incredulidade e admira??o, ele se deixou sentar em um tronco caído, como se aquele peda?o de madeira fosse o único lugar no mundo onde ele poderia descansar naquele momento.

  Enquanto se acomodava, algo à sua direita capturou sua aten??o. Perto de uma pequena casa de pedra com detalhes em madeira, Emily, a conselheira responsável pelo território, estava de pé, envolta em uma cena de pura serenidade.

  Ela brincava com um pequeno pássaro de plumagem vibrante que, curioso, saltitava ao redor dela, intrigado pela máscara que a mulher usava, e Alex n?o p?de deixar de achar a cena adorável. De repente, a mulher moveu-se com gra?a, tentando imitar o movimento das asas do pássaro enquanto ria suavemente ao ver ele inclinar a cabe?a, confuso com a atua??o.

  Nesse meio tempo, Jorge, o conselheiro de constru??o, surgiu do outro lado da pra?a, carregando grandes pilares de madeira sobre os ombros, como se fossem t?o leves quanto gravetos. Seu olhar estava focado em sua tarefa, no entanto, ao chegar à pra?a e ver a cena que se desenrolava diante dele, parou abruptamente, a carga escorregando ligeiramente de sua posi??o enquanto ele processava o que via, quando aos poucos come?ou a rir baixinho.

  — Devia ter imaginado que era pra algo assim quando me fez um “pedido urgente”, Nyx.

  A Sombra n?o respondeu, apenas acenou vigorosamente para ele de longe, e logo diversos bestiais foram ajudar Jorge com os pilares, fincando-os no ch?o e acendendo grandes tochas em suas pontas, dando um ar ainda maior de festival ao local, que aos poucos escurecia.

  Ao longe, Gabriel e Eva também se aproximavam a passos lentos, suas express?es refletindo um misto de alívio e compreens?o. O anjo mantinha sua postura habitual de calma e lideran?a, mas havia algo de diferente em seus olhos – um brilho de divertimento contido, como se ele também percebesse a futilidade de seus pensamentos mais sombrios. Eva, ainda carregando o grande livro preso nas costas, balan?ava a cabe?a, um sorriso resignado nos lábios. Era como se ambos tivessem chegado à mesma conclus?o ao ver a bagun?a à frente: as preocupa??es que os atormentaram eram, na verdade, infundadas. Este lugar n?o era um reino onde tudo devesse ser levado t?o a sério.

  — Tenho que admitir, gosto do espírito da Sombra — murmurou Fernando de repente, com uma gargalhada exageradamente alta logo em seguida.

  Alex riu junto, n?o conseguindo se conter com a infantil atua??o de seu companheiro, e teve que admitir que a capacidade de Nyx de transformar o ordinário em algo extraordinário era fantástica. Deixando-se levar pela atmosfera, pegou um copo da amarga cerveja em um dos barris abandonados em um canto da festa e entrou em meio ao povo selvagem para aproveitar o dia de paz.

  Enquanto todos se distraiam, um sutil ruído surgia no horizonte. O som se assemelhava a um zumbido agudo e acompanhava uma figura esguia, com asas finas e transparentes, que emergia no alto no céu, diretamente de entre as nuvens.

  Vestido em um terno preto impecável, que parecia t?o afiado quanto as facas que provavelmente escondia em seus bolsos, o homem carregava uma maleta escura que parecia quase uma extens?o de seu próprio corpo.

  Seus olhos eram o que mais chamavam a aten??o – grandes, redondos, e de um brilho enigmático, como se ele enxergasse algo que ninguém mais podia ver. Olhos de vigarista, astutos e calculistas, sendo ressaltados pelo pequeno óculos, redondo e escuro, que usava quase que pendurado na ponta de seu nariz.

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