— Você me decepciona.
— Pois é, t? sabendo.
O anjo se deitou sobre um estranho bloco que repentinamente brotou do ch?o. Ele rolou algumas vezes e logo ficou com a cabe?a pendendo na borda, observando Ana de ponta-cabe?a.
— Você podia ter matado eles muito mais rápido do que isso, a n?o ser que… estava gostando de brincar com os novatos? Que cruel!
Ana se aproximou e empurrou o anjo para o lado, sentando-se na beirada da estrutura. Os milhares de vitrais que adornavam o espa?o criavam sombras multicoloridas, conferindo um ar de mistério ao estranho e infinito mundo mental.
— Pelo contrário, os matei por acidente.
— Essa desculpa n?o cola muito quando você corta as pessoas ao meio enquanto sorri… — Gabriel bocejou, zombando da resposta com uma express?o de descren?a.
— Dessa vez realmente foi sem querer. Eu n?o queria ter que viver no meio do mato pra sempre, mas depois dessa luta, n?o terei muita escolha. No fim, é tudo culpa dessa porcaria de mana reversa.
— Você sabe que está mentindo para si mesma. Sádica do caralho.
Ana encarou a criatura divina à sua frente com um olhar vazio. Sem saber como responder, apenas se jogou para trás, também se deitando.
— Ah, tanto faz, acredito que dessa vez deva ser o fim mesmo. Meu corpo lá fora já deve estar com uma faca atravessada no meio da cara.
— N?o, parece que ainda tá só lá caído, ninguém mexeu em você.
— Sério? Ent?o o que acha de me despachar de uma vez?
— N?o, eu já cansei de te assistir nesse estado. Se continuar assim, vai acabar morrendo mesmo, e com isso tudo acaba pra mim também. N?o que viver aqui sem nada pra fazer seja muito melhor que só sumir.
— E o que posso fazer? Fraca ou doida, só tenho essas op??es e nenhuma é muito agradável.
— O que pode fazer? Parar de ser covarde! — o anjo finalmente se virou para a garota, seu olhar penetrante fixo nos cansados olhos de Ana.
— De que merda tá falando?
— Porra, você prefere morrer do que ficar meio estranha? A vida em sociedade realmente tá te deixando uma fresca.
— N?o estou mais sozinha lá fora, Gabriel. é difícil agir como antes… — a resposta de Ana foi fraca. No meio da frase, percebeu que n?o tinha muita convic??o em suas palavras. Realmente estava dando desculpas para si mesma. Com um movimento repentino, ela se sentou, visivelmente mais animada. — Você está bem mais agradável do que antes, sabia? Acho que finalmente entendo o que quer dizer.
Esticando as asas, Gabriel também se sentou, com um gentil sorriso preenchendo seu rosto.
— Sempre fui agradável!
— Ah, n?o. Com certeza n?o.
— Enfim, enfim. Eu conhe?o muito bem sua escurid?o. N?o venha me falar que n?o pode controlar uma maldita gota de insanidade quando já nada nesse mar a séculos. Se a loucura quer te dominar, devore-a, Ana. E devore o mundo que se op?e a você também.
O anjo estendeu o bra?o, e em sua m?o seus dedos formaram a arma já vista anteriormente.
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— N?o pode simplesmente me fazer acordar normalmente?
— N?o posso n?o. Culpe sua mente idiota por isso, eu sou o que você me fez ser.
— Bom, ent?o foda-se tudo isso — Ana cerrou os dentes, preparando-se, mesmo sabendo que n?o teria como evitar o impacto.
— Bang!
Com o barulho, veio a dor. E com a dor, veio a luz.
Ana acordou coberta de escombros, sentindo o peso esmagador sobre seu corpo dolorido. Cada movimento era um esfor?o imenso, e a dor pulsava por cada fibra de seu ser. Com um esfor?o tremendo, ela conseguiu erguer-se parcialmente, apenas para vomitar um estranho sangue negro que escorreu pelos cantos de sua boca, um sinal claro do estado crítico de seus órg?os internos.
à sua frente, o ca?ador que havia lutado contra ela anteriormente estava de joelhos, os bra?os ensanguentados enquanto tentava ajudar a manipuladora, que estava praticamente desmaiada e incapaz de se mover por conta do esgotamento de mana. Seus olhos estavam cheios de determina??o, mas também de uma exaust?o profunda, refletindo a brutalidade da batalha que todos enfrentaram.
Jasmim, já de pé, exibia uma armadura com um grande amassado na regi?o do abd?men. Ela encarava Ana com um olhar fixo e intenso, mas n?o avan?ava. Havia um leve sorriso em seu rosto, sutil, mas que fez Ana perceber que algo estava terrivelmente errado.
Seguindo sua sinistra premoni??o, Ana ergueu os olhos e ao longe viu três novos grupos de ca?adores se aproximando. Sua irm?, percebendo que havia notado a chegada dos refor?os, deixou seu sorriso crescer, tornando-se enorme e psicótico. Seus lábios se moveram em um murmúrio inaudível, mas a express?o em seu rosto dizia claramente: "Você perdeu".
Tentando se levantar, Ana trope?ou, incapaz de manter o equilíbrio devido à perna quebrada e aos danos internos. A dor era suportável, sendo muito menor do que várias que já sentiu em sua longa vida, mas a for?a parecia escapar de seu corpo a cada tentativa de movimento. Sua mente estava enevoada, lutando para encontrar uma maneira de sair daquela situa??o desesperan?osa.
— N?o tem como eu lutar contra tanta gente — murmurou para si mesma, a voz rouca e fraca.
Enquanto refletia sobre um lugar seguro para ir, lembrou-se do antigo covil onde ficava com seu grupo.
“Será que ainda existe?”, pensou. Decidiu que iria para lá, mas ainda n?o conseguia pensar em uma forma. Sua mente fervilhava em possibilidades quase impossíveis, quando de repente sua vis?o foi atraída para um pequeno pardal que repousava em cima de um dos corpos espalhados pela pra?a. Enquanto via o insignificante animal mordiscar a carne ainda fresca, um pensamento sombrio cruzou sua mente.
— Se querem que eu seja um monstro, eu vou me tornar um monstro.
Livros de anatomia pareciam ser folheados com violência em sua mente, e rapidamente recordou da estrutura óssea da ave à sua frente.
— N?o vai ser suficiente…
Seus pensamentos continuaram a correr em espécie atrás de espécie, descartando-as sem hesita??o, quando subitamente parou ao visualizar os detalhes de um Albatroz-errante, com suas enormes asas e imponente capacidade de voo. Ana focou em cada minúsculo detalhe do que desejava: a estrutura dos ossos, a leveza das penas, a for?a dos músculos, tudo formando uma clara imagem em sua mente.
— Vamos tentar! — murmurou, um sorriso surgindo em seus lábios, misturado a uma carranca de dor.
A mana come?ava a seguir sua vontade, concentrando-se em suas costas e irradiando uma onda de calor enquanto a carne come?ava a se moldar.
— Isso é impossível! — sussurrou Jasmim, sua voz carregada de incredulidade e certa zombaria ao ver a bizarra cena de longe, entendendo a ideia de Ana.
Ana sorriu para ela, entendendo a express?o facial da irm?. Em suas leituras sobre mana, muito antes de sequer poder usar a energia, notou que a sociedade definia certos limites para as manifesta??es. Um desses limites era o voo; as pessoas n?o conseguiam flutuar com o atual uso da magia, apesar de alguns gênios emergentes estarem empenhados em mudar isso. Já a manifesta??o de asas era ainda pior, sempre foi considerado algo puramente estético, visto os muitos problemas, desde a falta de fixa??o ao corpo do usuário até os movimentos difíceis de controlar para al?ar um voo real.
Apesar de saber disso, a mercenária n?o via outras op??es, ent?o abandonou as ideias pré-estabelecidas e fez as coisas de sua maneira. Em uma explos?o de sangue carmesim, grandes plumas feitas de pura energia de um tom azul-petróleo se manifestaram em suas costas, perfurando a carne e entrando em seus ossos como estacas. Cada vértebra se ajustava, ligamentos se formavam, e os ossos se conectavam, finos e leves, mas incrivelmente resistentes. Músculos come?aram a envolver esses ossos, fibras se entrela?ando em uma dan?a de cria??o. A sensa??o era estranha e a mana pulsava por seu corpo, conectando cada parte de sua nova anatomia.
Os soldados estavam cada vez mais perto e sua espada era visível a poucos metros de distancia, ainda cravada na ca?adora. Puxando uma lufada de ar, a mercenária preparou-se, juntando for?a por um momento, e ent?o, com um movimento anormalmente rápido, suas asas bateram, lan?ando-a em dire??o à lamina escura.
Foi um voo desengon?ado, mas logo suas m?os seguraram firmemente o cabo da arma. Porém, ao invés de puxar para fora, Ana deslizou-a para o lado, dilacerando do peito ao ombro da falecida. Como um animal, seus dentes cravaram-se no bra?o decepado e com um giro no ar acompanhado de outro bater das asas, disparou por entre os prédios, deixando tudo para trás. Seus olhos se encontraram com os de Jasmim por um momento e entendeu que, a partir dali, seu vínculo afetivo já n?o existia mais.
Os ca?adores tentaram segui-la, mas no momento possuía uma velocidade e agilidade que n?o podiam acompanhar. Voou desajeitadamente pelas ruas estreitas, com a adrenalina correndo em suas veias, e cada batida de suas grandes asas era uma mistura de agonia e liberdade. Os edifícios passavam rapidamente enquanto a cidade abaixo parecia se transformar em um borr?o, uma mistura caótica de concreto e metal que n?o importava mais.
— Covil… covil… covil… covil… covil…
O vento frio da manh? batia em seu rosto, e o sangue escorria pelas feridas abertas em suas costas. Mas a mente de Ana estava focada, cada pensamento direcionado a um único objetivo.
Sua boca mastigava o macabro peda?o de carne com afinco enquanto repetia a palavra, for?ando-se a n?o esquecer. O consumo de mana era muito maior do que a reposi??o oferecida pelo “alimento”, mas pelo menos sabia que desta forma n?o sufocaria.
Neste momento, estava em um intenso cabo de guerra com a mana reversa em seu corpo, dando tudo de si para ignorar a vontade de come?ar um novo massacre no meio do centro da cidade. N?o sabia o que aconteceria após alcan?ar o que queria, e nem tinha a consciência necessária para refletir sobre isso, seu desejo de sobreviver era tudo o que importava por enquanto.
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