Se visto de longe, o campo de batalha parecia uma antiga pintura, uma daquelas imagens imortalizadas em livros de história: corpos e armas, rostos endurecidos e olhos vidrados em um campo de batalha que logo se tornaria uma lenda. Aqui acontecia uma guerra sem heróis, um confronto desesperado derivado do simples medo de deixar de existir.
A corrida inicial foi envolta em um silêncio quase respeitoso. Apenas o som de uma música profunda e rascante, vindo de um único rádio, ecoava em meio à massa disforme de combatentes. A guilda dos Grifos, bem alinhada e organizada, avan?ava com uma disciplina impecável, alinhados com a precis?o de um relógio.
Mas do outro lado, Insídia se parecia mais com uma horda selvagem, movida por uma for?a primitiva, animalesca, zumbis vindos diretos dos filmes de terror da antiga era. Sob o efeito dos estranhos elixires das dríades, os corrompidos tinham olhos opacos e opressivos, estavam no limiar da consciência, movidos apenas pela determina??o de vencer, de matar. Suas vontades eram levadas ao extremo pela necessidade, e, mesmo mal conseguindo pensar, cada um deles sabia que n?o havia escolha além de lutar até o fim.
Quando os primeiros corpos se chocaram, o silêncio se desfez em um mundo composto de gritos, a?o se chocando contra a?o e ossos se quebrando. Os soldados de Amélia tentaram deter a linha de frente dos corrompidos com escudos massivos, e, no início, a estratégia parecia funcionar.
Espadas e lan?as se ergueram atrás dos defensores, perfurando a primeira onda de atacantes com eficiência brutal, mas a aparente ordem come?ou a ruir rapidamente. Insídia n?o lutava como um exército comum; seus combatentes eram t?o numerosos quanto imprevisíveis, dispostos a sacrificar o próprio corpo, jogando-se contra a muralha de guerreiros em uma massa de carne e ossos.
A pilha de cadáveres se amontoava com o passar dos minutos, mas ainda assim mais corrompidos continuavam com a avalanche humana, e assim finalmente quebraram a barreira. Os invasores, empurrados e esmagados, caíram de joelhos sob o peso brutal dos inimigos.
Tudo se transformou em um espetáculo horrendo de violência pura onde, quando suas armas eram perdidas, os corrompidos usavam os dentes, m?os e punhos para continuar a briga. A ferocidade era carregada de uma tristeza trágica, e cada encontro de duelistas era acompanhado de um último suspiro resignado.
No centro do campo, Amélia permanecia imperturbável, e lutava com seu melancólico sorriso renovado, com movimentos calmos que, apesar da irrita??o contida de pouco antes, eram um contraste completo com o pandem?nio ao redor.
— Est?o demorando demais... cadê esses desgra?ados?
— é realmente estranho, já deveriam estar aqui — ao seu lado, o capit?o, que escutou o murmúrio, deu de ombros.
Foi ent?o que, quase como se tivessem programado, finalmente ouviram cascos galopando. O som prometia destrui??o, uma investida que viraria a maré do combate ainda mais a favor dos Grifos. Amelia sorriu com um toque de satisfa??o, já imaginando o estrago que causariam na retaguarda dos inimigos, mas assim que os cavaleiros apareceram em seu campo de vis?o, notou imediatamente a forma??o estranha, desorganizada e espalhada.
Eles n?o avan?avam para um ataque, os melhores de sua guilda tinham express?es marcadas pelo pavor. Aqueles eram claros movimentos de desespero, n?o de estratégia.
— Algo está acontecendo…
Antes que pudesse analisar mais a fundo, o horror se revelou por vontade própria: uma criatura gigantesca, um sussurrador de pétalas do tamanho de um pequeno prédio, avan?ava com uma presen?a monstruosa sobre o campo de batalha, perseguindo os cavaleiros em um frenesi devastador. A vis?o de uma massa viva de flores e raízes colossais era surreal e bela, mas também, aterrorizante,
"Eles se uniram?"
O pensamento da guerreira cacheada foi interrompido pela cena horrenda de dois cavaleiros sendo agarrados e esmagados pela criatura. Alguns, pegos antes disso, ainda estavam pendurados em sua boca, seus corpos despeda?ados ou perfurados, transformados em simples sacos de carne inerte. As pétalas eram afiadas como laminas, cortando com a mesma facilidade com que uma espada corta o ar.
— Manipuladores, ataquem aquela coisa! Agora!
Cada segundo contava; em instantes, aquela aberra??o estaria sobre eles.
— Muitos já est?o quase sem mana, Amélia — comentou o capit?o ao ouvir a ordem. — N?o teremos poder suficiente para derrubar algo como isso.
— Se ainda est?o de pé, podem fazer algo. Que usem tudo o que resta até desmaiar! Precisamos incinerar essa coisa antes que ela chegue até nós!
O capit?o, tomando um respiro, desistiu de contrariá-la e bradou uma reafirma??o da ordem.
— Esquadr?o de mana, formem uma linha na ala direita! Os demais, protejam-nos!
Os soldados rapidamente obedeceram, movendo-se o melhor que podiam dentro da confus?o. Os manipuladores, suando e trêmendo, juntaram-se em frente a uma pequena casa de madeira, formando uma barreira de resistência para impedir ataques de surpresa. Cada um come?ou a manifestar fogo da maneira que conseguia, criando uma variedade caótica de formas e intensidades.
Algumas chamas eram ferozes e instáveis, como brasas vivas que dan?avam no ar, enquanto outras, mais concentradas, criavam um fogo mais controlado, pulsando com uma energia estável. Havia também algumas mais excêntricas, esferas de fogo semelhantes a fogos de artifício e, claro, chamas dos que mal se aguentavam de medo, as quais mal passavam de fagulhas. De qualquer forma, cada um colocava tudo o que restava de mana naquela última tentativa antes de seus corpos atingirem o limite.
This content has been unlawfully taken from Royal Road; report any instances of this story if found elsewhere.
à distancia, era possível ver as dríades coroadas com os girassóis em um foco absoluto, tentando controlar a besta floral. Seus olhos estavam fixos no sussurrador, unindo-se em um só fluxo de energia, sacrificando o que tinham para evitar que aquele monstro destruísse também o seu próprio exército.
N?o demorou muito para que finalmente os cavaleiros alcan?aram os inimigos, for?ando passagem pelas linhas desordenadas dos corrompidos. A estratégia de atacar e recuar havia sido completamente abandonada; agora, era uma batalha desesperada pela própria sobrevivência..
Alguns foram capturados no caminho, suas montarias esmagadas pela multid?o que se jogavam sobre eles. Mas os sobreviventes n?o pararam. Aliás, nem mesmo olharam para trás. Queriam apenas alcan?ar seus companheiros, sobreviver.
— Lancem! Rápido!
Com a ordem finalmente dada pela líder, o céu se encheu de fogo.
O impacto dos ataques foi devastador, mas n?o do jeito que os Grifos esperavam. O monstro queimava, as chamas dan?ando e lambendo suas pétalas como um espetáculo infernal. A mira n?o foi complicada, ent?o ninguém errou, afinal, n?o tinha como algo t?o massivo se esquivar, mas a criatura continuava sua marcha impiedosa mesmo com as labaredas. Tudo em seu caminho ardia — casas, árvores e tropas de ambos os lados.
Aqueles que estavam em combate se dispersaram em panico, tentando escapar de qualquer jeito do ser que se debatia descontroladamente. Em apenas dez segundos, dezenas de soldados caíram. Ao fim de quarenta segundos, uma grande área ao redor do monstro havia se tornado um campo completamente preto. Quando sessenta segundos se passaram, o monstro finalmente sucumbiu, seu corpo se desfazendo em uma massa escura, e o ar sendo tomado por um mar de fuma?a espessa.
Os soldados, com tosse rouca e pulm?es queimando, tentavam proteger-se das substancias, mas parecia que nem a mana interna que concentravam em suas gargantas ajudava o suficiente. Amélia, envolta em um pano que umedeceu utilizando sua própria espada, mal conseguia enxergar o que estava à frente. Estava coberto de cortes e hematomas que adquiriu em pequenos combates durante a fuga, e seus olhos ardiam pelo contato com as partículas de cinzas. Mas, paradoxalmente, sentia-se estranhamente feliz, tomada por uma insanidade momentanea, ao perceber que seus soldados come?avam a se recuperar e ganhar terreno.
Caminhava de forma vagarosa quando, metros à frente, um já conhecido ruído chamou sua aten??o. Ela franziu as sobrancelhas, surpresa, procurando sua origem, a qual encontrou entre uma pilha de corpos. Seus olhos n?o esconderam a alegria quando viu que era Marlene, a mulher-planta, com grande parte do corpo chamuscado. No entanto, essa alegria logo foi dissipada quando, mesmo com a sua inimiga caída n?o tendo olhos, percebeu que a dríade a encarava com um ar de zombaria.
Enraivecida, se aproximou e, com um gesto impiedoso, pisou com for?a no corpo da plantínea, esmagando-o no ch?o. A estática baixa e estável vibrou descontroladamente de forma perturbadora, até que se estabilizou em um baixo som cadenciado.
— Do que está rindo, criatura patética?
Marlene n?o respondeu. Em vez disso, aumentou a intensidade do seu riso de escárnio. Amélia sentiu que ia explodir, e, num acesso de fúria, come?ou a perfurar o corpo da dríade repetidamente com sua lamina fria, lascas de gelo se espalhando como vidro quebrado a cada impacto.
O riso da plantínea finalmente cedeu, substituído por leves gemidos e palavras cheias de dor.
— Vocês… n?o têm… o direito de nos impedir… de viver…
A frase, dita em uma série de tons quebrados e fragmentados, quase como se viesse de várias vozes ao mesmo tempo, fez a líder dos Grifos pausar o ataque por um momento, seu rosto se contorcendo em desdém.
— Direitos? — ela cuspiu as palavras. — Esse mundo é regido por quem detém o poder. Somente os vencedores podem definir os direitos dos fracos.
— Você está certa… é por isso que repito… vocês n?o têm o direito… nós… venceremos…
Antes que Amélia pudesse reagir, uma fina raiz que havia se enrolado sorrateiramente em torno de sua bota, perfurou a parte de trás do seu joelho. Era uma perfura??o mínima feita através da brecha da armadura, mas intensa o suficiente para fazê-la dar um passo atrás. Sem pensar muito sobre, ela esmagou a raiz com um chute, furiosa.
Contudo, em meio a esse gesto, notou que a música no rádio de Marlene voltou a tocar, agora mais alta do que quando estavam em combate. Ela tentou chutar o rádio. N?o sabia o motivo, mas só queria que aquela música parasse desesperadamente. Foi ent?o que algo ainda mais estranho aconteceu: a música deixou de vir somente do rádio, come?ando a ser emitida de todos os lados.
A percep??o foi acompanhada de uma leve vertigem. Seus olhos raivosos adquiriram uma intensa e desfocada cor branca. Ela piscou, tentando clarear a vis?o, mas os contornos ao seu redor estavam borrados. Sentia seu corpo ceder, como se sua própria vontade estivesse sendo drenada, e a batida da música parecia penetrar sua mente, invadindo cada pensamento.
Os sons de batalha ao redor diminuíram, até desaparecerem completamente, e Amélia se viu perdida em um espa?o vazio. E ent?o, de repente, estava cercada de flores de todas as cores, tudo t?o vivo e vibrante que a tranquilidade quase parecia um sonho.
Sem saber o que estava acontecendo, caiu de joelhos, ofegante e babando. No último lampejo de lucidez viu o sorriso triunfante de Marlene, além de múltiplas raízes adentrando lentamente na terra ao redor da mulher. Por fim, ouviu o som de sua própria voz, misturada à da dríade, em um eco distante e contorcido.
— Vocês… n?o têm o direito…
Assim, em um piscar de olhos, a líder dos Grifos já n?o era mais ela mesma. Seu corpo se perdeu na mesma dan?a macabra de seus inimigos, e sua espada se infundiu de mana inconscientemente, trazendo um frio inverno para o campo de batalha
Quer apoiar o projeto e garantir uma cópia física exclusiva de A Eternidade de Ana? Acesse nosso Apoia.se! Com uma contribui??o a partir de R$ 5,00, você n?o só ajuda a tornar este sonho realidade, como também faz parte da jornada de um autor apaixonado e determinado. ??
Venha fazer parte dessa história! ??
Apoia-se:
Discord oficial da obra:
Galeria e outros links:

