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Capítulo 127 - Insanidade Celeste

  — Vocês entendem, n?o é?

  A voz de Ana cortou o silêncio como uma lamina afiada, reverberando pelas paredes da caverna com um eco perturbador. O som dos seus passos, marcados pelas pegadas encharcadas de sangue, ecoava em sincronia, cada movimento criando uma cadência sombria, como se o próprio ambiente se curvasse à sua presen?a.

  — For?a? Ela n?o é moldada pela paciência ou pelo tempo. Vocês realmente acreditam que a mana, essa fagulha insignificante, pode nos salvar? N?o somos nada além de cascas frágeis, vulneráveis ao primeiro toque da realidade. Fracos, quebradi?os... ridículos!

  Sua risada descontrolada se tornou um rugido de loucura, rasgando o ar como uma nota dissonante, um som t?o fora de lugar quanto a própria sanidade da rainha. Seus olhos brilharam em um frenesi selvagem, enquanto continuava cada vez mais alto.

  — A verdadeira for?a requer sacrifícios... precisa ser arrancada, arrancada da própria carne.

  A armadura que agora cobria seu bra?o finalmente se aquietou, suas placas metálicas chiando levemente antes de se integrarem de forma permanente à carne de Ana.

  — Eu pensei nessas pe?as com muito carinho, sabem? Podemos dizer que é minha obra-prima — sua voz agora era baixa, quase um murmúrio. — Foram inspiradas na minha espada. Aquele maldito peda?o de metal vivo. Está viva, talvez? Tem células que se duplicam? Ou alguma manipula??o inexplicável que faz a massa aumentar? Honestamente, n?o consegui chegar nem perto de copiar ela, mas minha vers?o n?o pode ser chamada de totalmente inferior.

  Ela se perdeu por um momento em seu próprio devaneio, sua voz oscilando entre lucidez e loucura.

  — Por sorte, os corrompidos me vieram à mente... quase todos eles perderam a capacidade de manipula??o quando seus corpos foram alterados. Suas veias se deformaram, sumiram, ou afinaram.

  Ana caminhou lentamente até Nyx, e com certa curiosidade, passou o dedo ao longo de seus chifres.

  — Mesmo assim, n?o significa que perderam a capacidade de evoluir com a mana, cada um da sua maneira. N?o é da forma tradicional, mas os bestiais, por exemplo, ganharam veias aprimoradas para distribui??o interna de energia. N?o podem mais criar manifesta??es, isso é sofisticado demais, mas n?o v?o encontrar fortalecedores melhores por aqui. Ficaram… práticos!

  Ana continuou, seus olhos brilhando com um entusiasmo insano enquanto fazia um gesto amplo, como se estivesse explicando um ponto crucial para um público invisível.

  — As dríades s?o ainda mais fascinantes. Suas veias fundiram-se completamente ao corpo. Agora absorvem mana lentamente, mas de forma direta, sem desperdício. Uma simbiose perfeita entre corpo e energia.

  Ana parou de falar por um segundo, observando as armaduras que pulsavam como se fossem um bra?o real. Ela deu um passo à frente, gesticulando como se estivesse revelando um segredo.

  — Resumindo tudo, peguei um DNA daqui, uma parte estranha dali... um conceito de lá, outro de cá... criei algo que crescerá com vocês. Quanto mais vocês absorverem, mais forte ela ficará. Claro, é apenas em teoria, talvez sejam só árvores de ferro inúteis que v?o acabar despeda?ando-os de dentro pra fora…

  Ela olhou para os corpos no ch?o com um sorriso quase maternal, antes de gargalhar do próprio discurso como se contasse uma série de piadas.

  — Bem, o poder tem um pre?o, mas apenas tratem-nas como plantas. Bem regadas, crescer?o saudáveis... Mas, claro, podem absorver toxinas de um solo envenenado se n?o forem cuidadosos. Vocês v?o dar um jeito de controlar essa coisa.

  — Eles n?o podem mais te ouvir, Ana — disse uma voz serena, vinda de repente das costas da estranha mulher.

  A mercenária parou de rir e virou-se bruscamente para o visitante, o delírio evidente em seus globos oculares saltados.

  — Eu sei disso... Mas adoro monólogos.

  Horas se passaram, e os corpos dos membros do Puni??o Divina jaziam inertes no ch?o, como bonecos de carne quebrados devido ao esgotamento completo de mana. Suas respira??es vinham em arfadas rasgadas, entrecortadas pela dor que ainda parecia pulsar em suas veias. A pele ao redor das armaduras estava inchada, com veios de sangue coagulado se espalhando sob a carne, onde o metal havia se fundido com os ossos. Seus olhos, mesmo inconscientes, tremiam sob as pálpebras fechadas, como se suas mentes ainda lutassem contra o trauma de terem seus corpos violentamente modificados.

  Ana, por sua vez, cambaleava. O custo havia sido alto para ela também. Seu corpo tremia com cada passo, o sangue seco em seus lábios e a palidez de sua pele eram evidências de que mesmo ela estava à beira do colapso.

  Miguel, observando à distancia, notou que, apesar de manter o sorriso fixo, os dentes dela estavam tremendo levemente, como se estivesse a um passo de perder o controle completamente. Por mais que tentasse, o mascarado n?o p?de esconder sua inquieta??o diante do que presenciava.

  — Eu queria saber o que está fazendo aqui, Miguel… N?o mandei que ficasse longe até eu terminar?

  Ela mal esperou por uma resposta antes de enfiar a m?o no casaco, tirando seis pequenas ampolas de vidro. Os frascos brilhavam sob a luz fraca, cada um contendo o resíduo do último experimento que realizara. Infelizmente, ela havia descoberto que os efeitos duravam menos de trinta minutos. Uma falha frustrante, já que a eficácia do composto se dissipou antes mesmo de ter chegado à caverna.

  — S?o lixo! — gritou, com raiva, enquanto jogava um dos frascos na parede, explodindo em centenas de fragmentos. — Mas devem ser o suficiente.

  Ela foi de membro em membro do Puni??o Divina, enfiando o composto no primeiro dos três sulcos nas armaduras. O líquido foi absorvido imediatamente, escorrendo pela parte organica da pe?a e desaparecendo em segundos por seus corpos, como se tivesse sido sugado por uma for?a invisível. O processo foi rápido, deixando um intenso brilho momentaneo antes de suas respira??es ficarem mais estáveis.

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  Miguel, aproveitando o silêncio inc?modo, deu um passo à frente, tentando medir suas palavras com cuidado.

  — N?o quebrei suas ordens propositalmente — come?ou ele, sua voz controlada, embora um toque de urgência pudesse ser sentido. — Um imprevisto acaba de chegar à cidade.

  Ana parou por um instante, seus dedos ainda tocando as armaduras dos guerreiros inconscientes. Seus olhos se voltaram lentamente para Miguel, agora fixos nele com uma intensidade que o fez gelar. Ela n?o disse nada, apenas come?ou a girar as m?os no ar, impaciente, sinalizando para que ele continuasse a falar.

  — Um grupo de ca?adores de Barueri está nos port?es. Eles exigem uma reuni?o. — Terminando a frase, olhou para o casaco da rainha, percebendo o quanto estava encharcado de sangue. — Eu ia perguntar se gostaria de vê-los... mas creio que seja melhor adiarmos a reuni?o, dadas as circunstancias.

  Ana, com um brilho de malícia nos olhos, girou nos calcanhares.

  — Adiar? Mas é claro que n?o! — exclamou com entusiasmo inesperado. — Eles chegaram na hora perfeita!

  — Temo que… a sala do trono, bem… ela n?o foi devidamente preparada para uma audiência.

  — Que bobagem é essa? — Ana gargalhou, como se os motivos fossem absurdos.

  Ela come?ou a cantarolar, indo até as caixas de equipamento e alinhando-as de maneira improvisada no centro da caverna. Em um piscar de olhos, acenou com um ar de satisfa??o e se sentou no topo, a postura imponente, enquanto se inclinava para trás, relaxada.

  — Uma sala do trono é onde a rainha está! — declarou com uma anima??o inquietante. — Agora, tirem esses dorminhocos daqui e tragam os ca?adores em seguida. Vou recebê-los pessoalmente.

  Miguel suspirou internamente e inclinou a cabe?a em um leve aceno de concordancia

  — Por sorte, eles est?o logo acima de nossas cabe?as — comentou, e, com mais um aceno, se retirou para cumprir as ordens.

  Logo após a saída de Miguel, algumas estátuas entraram silenciosamente na caverna. Com cuidado, come?aram a retirar os membros caídos do Puni??o Divina, como se fossem relíquias preciosas. Cada corpo foi carregado com delicadeza, evitando qualquer dano adicional às suas armaduras fundidas e corpos exauridos.

  Quando chegaram a Garm, no entanto, a tarefa exigiu um pouco mais de esfor?o. O gigantesco lobo, com sua nova prótese presa ao corpo, n?o poderia ser movido com facilidade. Ent?o, com a mesma precis?o meticulosa, as estátuas cobriram seu corpo imenso com um tecido pesado e resistente, escondendo sua presen?a da vis?o dos visitantes que logo chegariam. A cena da montanha de mantos no meio do cenário causava certa estranheza, mas Ana achou a prepara??o boa o suficiente.

  Minutos depois, as estátuas retornaram à caverna, desta vez acompanhadas do som pesado das botas dos ca?adores de Barueri, que ecoaram alto enquanto entravam com a arrogancia de quem se vê no controle. Tal arrogancia gradualmente desaparecia quanto mais se aprofundavam, e o passo firme vacilou ao primeiro olhar para o ambiente.

  O ch?o escorregadio com sangue fresco, as estátuas de rostos vazios observando-os como predadores à espreita, e no centro, a rainha, sentada em um trono improvisado. O sorriso de Ana os encarando como uma fera que acabara de escolher sua próxima presa. O ar estava pesado, quase impossível de respirar, e, por um momento, a postura confiante deles se desfez em puro desconforto.

  Ainda assim, se esfor?ando para dissipar o medo, avan?ando com passos decididos. O primeiro, um homem de fei??es endurecidas e olhos calculistas, adiantou-se, falando de maneira áspera.

  — Vocês s?o uma amea?a à humanidade. Devem se submeter e obedecer se desejam a paz. Está claro que essa "cidade" n?o tem lugar no nosso mundo.

  — Este lugar é um antro de corrup??o! é simplesmente hediondo, n?o vamos permitir que continue! — outro ca?ador, mais jovem e impetuoso, gritou logo em seguida.

  As estátuas mascaradas que guardavam as laterais da caverna se moveram de maneira quase imperceptível. Suas presen?as emanavam uma autoridade silenciosa, e uma delas, n?o conseguindo se conter, deu um passo à frente.

  — Mostrem respeito diante da rainha.

  Ana levantou a m?o, um gesto para silenciar a estátua, e sorriu com um brilho cruel nos olhos.

  — Tudo bem, tudo bem — disse ela, sua voz carregada de um tom zombeteiro. — Mal come?amos essa conversa, e já estamos assim?

  Ela se inclinou para frente, os dedos tamborilando no bra?o improvisado de seu trono, pensativa.

  — Sabem de uma coisa? Que se fodam.

  Foi ent?o que, com outro pequeno movimento de seus dedos, as estátuas explodiram em a??o. A velocidade e brutalidade de seus movimentos foram inesperadas, e, antes que qualquer um pudesse reagir, os ca?adores sentiram suas pernas cederem violentamente.

  Um estalo seco ecoou pela caverna quando os joelhos dos emissários colidiram com o ch?o encharcado de sangue, fazendo o líquido carmesim espirrar para todos os lados. O cheiro metálico inundou suas narinas enquanto eles lutavam para respirar, ofegantes e impotentes sob o peso daquele ambiente esmagador.

  Os demais, mais afastados, tentaram recuar, mas foram rapidamente imobilizados por outros mascarados que aguardavam perto da saída. Seus movimentos precisos e implacáveis deixaram os ca?adores indefesos.

  Ana se levantou de seu trono improvisado, caminhando lentamente até o emissário mais próximo. Seus passos eram metódicos, e traziam em sua essência um claro prenúncio de algo terrível. Ela parou na frente deles, inclinando-se ligeiramente. Ela parou à frente do homem, inclinando-se levemente com um sorriso frio e amea?ador.

  Desesperado, o ca?ador levantou a m?o trêmula, apontando para Ana enquanto tentava articular uma acusa??o, sua voz cheia de ódio e impotência.

  — Você...! Isso é um absurdo! Eu vou—

  Ele n?o teve chance de terminar a frase. Ana levantou levemente a máscara que escondia seu rosto, e mantendo o mesmo sorriso cruel nos lábios, abocanhou o dedo erguido, mordendo-o com for?a sem qualquer hesita??o. O estalo do osso se partindo foi seguido pelo grito agonizante do homem, e os demais demoraram para raciocinar o ocorrido, reagindo tarde demais a imobiliza??o ainda mais firme que veio em seguida.

  — Da próxima vez você deve se ajoelhar diante da monarca sem precisar de incentivos — falou ela em uma voz quase suprimida pelo som de mastiga??o, com dentes agora manchados de sangue. — Claro, isso se quiser sair desta sala com a cabe?a ainda presa aos ombros.

  Tirando seus olhos do homem ainda em choque, a mercenária se esticou e soltou um suspiro, mantendo uma express?o sorridente que parecia irradiar uma luz ambígua, como um sol distante: acolhedor e mortal ao mesmo tempo. O calor daquele sorriso contrastava com a vastid?o abissal em seus olhos, o olhar de alguém que já n?o conseguia ver o fio tênue entre o poder e o delírio.

  — Si vis pacem, para bellum, meus caros… matem o restante e soltem esse cara — murmurou Ana, com sua risada final se espalhando por cada canto, envolta pelo sangue e temor que se fundiam como uma dan?a macabra, transformando aquele instante em um prelúdio divino de caos, pronto para consumir tudo. — A paz que eles tanto anseiam é o tipo de paz que só se conquista através da for?a. A grande quest?o é qual de nós é o lado forte.

  O tempo para todos os presentes parecia suspenso, como se o próprio universo hesitasse ante a iminência de uma destrui??o guiada pela doce insanidade celeste da rainha.

  E aqui encerramos o volume 3 da novel!

  Espero que tenham aproveitado a leitura e agrade?o imensamente por me acompanharem ao longo desses meses!

  Se puderem avaliar a novel, ficarei eternamente grato!

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