Hoje, a atmosfera na caverna estava incomumente aconchegante. O calor da respira??o ansiosa e o brilho sobrenatural das luzes esverdeadas criavam um ambiente contrastante com o mundo lá fora. Ali, Ana, a rainha mascarada, reunira apenas os membros de sua unidade mais próxima, o Puni??o Divina.
As figuras de Nyx, Eva e Alex estavam dispostas ao redor de uma baixa mesa improvisada, sentados em grandes almofadas. Garm, como sempre, repousava próximo à entrada, o olhar vigilante enquanto descansava seu corpo imenso.
— Faz tempo que a gente n?o se reune assim… tá todo mundo bem? Parece que o inverno realmente chegou pra valer, hein? — perguntou sucessivamente Alex, esfregando as m?os para afastar o frio. — O vento tá gelado demais!
— Eu gosto do frio. Deixa tudo mais bonito — murmurou suavemente Nyx, mas seu corpo parecia tremer por baixo da manta escura em que se enrolava. — E você, o que acha, Ana?
A mercenária deu de ombros, sentando-se entre eles.
— Deixa meu corpo duro, mas n?o é ruim. As crian?as caindo na ponte congelada s?o um ponto positivo desse tempo estranho.
Garm ergueu uma orelha e lan?ou um olhar de desaprova??o para a rainha, que apenas riu, satisfeita em ter provocado uma rea??o. Alex cruzou os bra?os, apoiando-se contra uma parede próxima, observando a intera??o com um leve sorriso no rosto.
Todos riram, imaginando a cena das pequenas figuras correndo e sentindo o desgosto da vida ao notarem seus corpos acertando pesadamente o ch?o. Mas a descontra??o durou pouco, pois Eva logo retomou a express?o séria. Seu nariz estava em um forte tom rosado, e escorria um pouco, a obrigando a fazer o habitual som de fungar dos gripados, o que a deixava mais impaciente que o normal.
— Certo, você nos reuniu aqui pra esse tal compromisso inadiável, ent?o deve ter um bom motivo para isso — Eva cruzou os bra?os, seu tom sem rodeios, mas a curiosidade dan?ando em seus olhos. — Podemos ir logo ao ponto?
— Calma, minha jovem. é sempre bom manter um pouco de mistério. Hoje temos muito o que discutir. Mas bem, que sejamos rápidos ent?o!
Ana sorriu, mas dessa vez, seu olhar tornou-se mais focado, um brilho de determina??o que Eva reconheceu. Ela se levantou de seu assento e estendeu a m?o, segurando um estranho objeto que até ent?o estava escondido em seu bolso. O gesto foi acompanhado de um ar teatral, mas seus olhos n?o deixavam dúvidas de que falava sério.
— Como todos sabem, n?o somos mais só uma pequena cidade. Ouso dizer que já fomos muito além disso, e em tempo recorde! Assim, precisamos de algo que represente a for?a e a uni?o de todos os que vivem sob essas muralhas.
Com um movimento preciso e cheio de inten??o, Ana girou o objeto entre os dedos, erguendo-o com elegancia para que todos pudessem vê-lo. O broche de metal que ela revelava era de uma elegancia simples, mas cheia de simbolismo. No centro, uma máscara, desprovida de detalhes individuais, representando a ausência de identidade específica.
Era um símbolo de unidade, indicando que todos povos de todas as variantes e origens, n?o importa suas diferen?as, s?o um só dentro deste domínio, unidos pela mesma coroa invisível que governava sobre o reino de Insídia. O rosto da máscara, sereno e enigmático, trazia uma express?o de neutralidade, como se estivesse tanto a observar quanto a proteger.
Ao redor dela, ramos espinhosos e flores entrela?avam-se em um círculo que n?o era nem perfeitamente simétrico nem totalmente irregular. As linhas delicadas dos espinhos sugeriam uma for?a oculta, um alerta de que, sob a aparente serenidade, havia brutalidade e poder prontos para serem despertados. Ao mesmo tempo, as flores davam um toque de vida, sugerindo crescimento e evolu??o.
— Ele mantém as origens até certo ponto, mas este é o símbolo da nossa na??o... Insídia. A terra dos que foram abandonados, dos que reescrevem seus próprios destinos. — Suas palavras ressoaram pela caverna, e a intensidade em sua voz fez com que o novo nome gravasse uma marca no espírito de todos presentes.
No mesmo instante, como se suas palavras tivessem sido um sinal, um som metálico ecoou pela caverna, e grandes bandeiras se desdobraram do teto em um movimento fluido, caindo como cortinas pesadas ao redor deles. As cores intensas do novo emblema reluziam à luz das tochas, preenchendo o ambiente com uma aura de renova??o. O grupo, sem tempo de ter uma rea??o adequada, arregalou os olhos, e, ao fundo, puderam ouvir a exclama??o de surpresa que vinha das ruas lá fora, sugerindo que o mesmo espetáculo acontecia pela cidade.
Mesmo que n?o vissem, podiam imaginar as bandeiras tremulando nas torres, destacando-se contra o céu cinzento do inverno. Inesperadamente, cada um deles foi preenchido por um intenso sentimento de realiza??o, um discreto orgulho de cada passo que deram juntos. Estavam esperando esse dia a meses, e hoje, finalmente, a cidade das máscaras deixava de ser apenas um refúgio para os rejeitados e os perdidos, transformando-se em algo maior, um lugar que come?ava a definir sua própria história.
Ana se virou novamente para os membros do grupo, deixando que as palavras vagassem no ar enquanto os olhares de seus aliados voltavam a se focar.
— Claro, n?o se trata apenas de construir um esqueleto de um reino — continuou ela, sua voz ganhando um tom mais profundo, mais ambicioso. — Vamos criar festivais e cerim?nias, definir nossas próprias tradi??es, celebrar nossas vitórias e chorar nossas derrotas juntos. Vamos consolidar o orgulho de sermos daqui, para que todos saibam que algo maior nasceu. é hora de deixarmos nossa marca no mundo.
Nyx parecia fascinada, seu olhar brilhando com a promessa de um novo come?o, sua natureza selvagem capturando a ideia de um lugar onde a liberdade era lei. Alex, por outro lado, manteve uma express?o ponderada, mas havia um sorriso satisfeito em seus lábios, como se apreciasse a seriedade da proposta. Eva observava com uma mistura de ceticismo e admira??o, tentando processar o quanto aquela simples cidade havia crescido.
Foi ent?o que, sem aviso, Ana bateu duas palmas, chamando a aten??o de todos. Em resposta, um grupo de mascarados entrou na caverna de forma coordenada, carregando uma série de caixas robustas. Eles as dispuseram em um círculo ao redor da mesa antes de se retirarem em silêncio, como sombras que se desfaziam na escurid?o das paredes de pedra.
— Antes de discutirmos os detalhes do nosso novo lar, quero compartilhar algo que fiz pessoalmente para vocês — ela passou a m?o pelos entalhes da tampa de uma das caixas, sorrindo para si mesma. — Foi um trabalho que exigiu muito esfor?o. Usei tudo que aprendi neste novo mundo, todas as ideias e conceitos que absorvi. Espero que gostem do resultado.
Os membros do Puni??o Divina trocaram olhares curiosos e intrigados. A expectativa no ar era quase palpável, e os olhos de todos se voltaram para as caixas, tentando adivinhar o que se escondia em seu interior.
— O que est?o esperando? Abram!
O som das trancas sendo liberadas foi instantaneo. Quando as caixas foram abertas, um brilho escuro, mas intenso, preencheu a caverna. Em cada uma repousava uma armadura completa para o bra?o, uma pe?a única de um metal escuro, quase como obsidiana, que cobria do ombro aos dedos, composto de pequenas pe?as esculpidas com uma precis?o quase sobrenatural. Cada parte continha finos ligamentos prateados, t?o finos que lembravam tecido, mas t?o firmes que traziam uma chama de seguran?a ao simples toque. O brilho emitido por elas era tanto intrigante quanto hipnotizante, o tipo de resplendor que quase exigia que as usassem imediatamente.
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— Isso… é impressionante — disse Alex, incapaz de esconder a admira??o.
Ele girou a pe?a em suas m?os, examinando o emblema do reino gravado nos ombros, um símbolo complexo que apresentava um tom escurecido, mas ao mesmo tempo reluzente, criando um contraste fascinante com o metal negro. No entanto, seus olhos se estreitaram ao notar, ao lado do emblema, três estranhos sulcos sem um propósito aparente.
— Sobre isso, vou demonstrar mais tarde — comentou Ana, com um sorriso provocador, interrompendo a pergunta que sabia que seria feita ao notar o olhar confuso do homem. — Primeiro quero que vocês experimentem. Depois eu explico.
Os membros do Puni??o Divina n?o contestaram, apenas vestiram as armaduras com pressa.
— Parece que foram feitas para mim — comentou Eva, girando o bra?o para testar a flexibilidade. — N?o atrapalham em nada os movimentos.
Os outros assentiram. Cada pe?a se ajustou perfeitamente a seus bra?os, moldando-se aos contornos de seus corpos como se tivesse sido feita sob medida. O metal parecia fluir com a curvatura de seus bra?os, abra?ando a pele com uma press?o firme, mas n?o desconfortável. Era como vestir uma segunda pele, que ao toque parecia fria, mas que se aquecia rapidamente, adaptando-se à temperatura do corpo.
Ana sorriu enquanto colocava seu próprio protetor, notavelmente distinto do dos outros membros. Havia algo na sua pe?a que transbordava autoridade, poder e um certo mistério. O emblema cravado em seu ombro era uma varia??o majestosa do símbolo comum. No centro estava a mesma máscara desprovida de tra?os definidores, mas nesta vers?o, havia algo mais: um par de chifres curvados que se projetavam delicadamente da parte superior, formando arcos amplos e imponentes.
Esses chifres n?o tinham uma simetria perfeita; um deles se dobrava levemente para dentro, como se representasse controle e conten??o, enquanto o outro se expandia para fora, simbolizando uma selvageria indomável.
Em seu entorno, o círculo organico se mantinha, mas aqui, os espinhos pareciam mais afiados, e as flores, mais vívidas, quase pulsando com energia. Cada detalhe sutil sugeria a dualidade da rainha: a brutalidade e a realeza, o caos e a ordem, a vida e a morte. No topo da máscara, repousava uma coroa simples entrela?ada com ouro envelhecido, como se tivesse sido moldada diretamente do metal fundido. N?o era uma coroa de realeza comum; suas pontas eram afiadas como laminas de elegancia selvagem. As pontas alongadas pareciam tocar o ar, como garras prontas para se fechar sobre tudo ao redor.
— Me dediquei bastante pra alcan?ar isso. O material é um composto especial que desenvolvi nos últimos meses com os minérios raros extraídos das minas recém-descobertas ao norte, além de cristais infundidos com mana concentrada — explicou Ana, orgulhosamente, enquanto olhava para os detalhes do item. — Flexível, mas imensamente resistente, capaz de suportar os impactos mais severos sem perder sua leveza. Por sinal, n?o esqueci de você, Garm.
Saltitando, se aproximou rapidamente do lobo gigantesco, que se levantou em um salto, seu corpo causando um tremor no solo. A ansiedade estava clara em seus olhos, e sua cauda batia contra o ch?o com impaciência.
Ana se abaixou e, com cuidado, retirou da caixa n?o um protetor de bra?o, mas sim uma prótese negra e majestosa, projetada especificamente para ele. O metal brilhava com o mesmo tom escuro das demais, mas era ainda mais imponente, mais robusta, feita para suportar o peso e a for?a de um ser t?o colossal. Quando ela a levou ao membro amputado, o encaixe foi perfeito.
— Você sabe que vai doer quando isso for fixado, n?o é?
— Podemos fazer isso mais tarde? — perguntou o lobo, bufando de forma meio envergonhada, lembrando de seus uivos involuntários quando a mandíbula foi implantada em sua face. Ele conhecia essa dor, mas também sabia que era necessária.
— Vou pensar no seu caso.
— Ele me lembra o Felipe — a voz de Alex saiu melancólica, mas seu sorriso era radiante com as memórias.
— Eu disse a mesma coisa quando vi ele sem a perna! — respondeu Ana, rindo alto.
Enquanto todos observavam Garm se adaptar superficialmente à nova prótese, Eva, ainda encantada com o presente, finalmente se aproximou.
— E para que servem essas runas? Digo, s?o runas, né? — perguntou, referindo-se aos refinados símbolos que se conectavam externamente e internamente em cada escama de metal, gravados com uma precis?o quase impossível.
Ana ergueu o olhar, os pequenos e alinhados dentes apresentando a composi??o sinistra que chamava de sorriso.
— Como eu disse, isso é o resultado de tudo que aprendi nesses últimos meses.
Todos trocaram olhares nervosos ao ver que nenhuma explica??o real foi dada, e a sala pareceu esfriar por um momento. Havia algo na express?o de Ana que mexia com o instinto mais primitivo deles. Era como se gritos surgissem na profundidade de suas almas, dizendo selvagemente que algo estava prestes a acontecer, algo que desafiava a raz?o.
— Bem, por que n?o testamos todos juntos? — sugeriu a jovem ruiva, tentando se recompor.
Com um aceno conjunto, tentaram deixar a preocupa??o de lado e come?aram a canalizar sua mana ao mesmo tempo. Conforme a energia fluía, as runas e linhas nas armaduras come?aram a se iluminar, partindo do emblema nos ombros e se espalhando até as pontas dos dedos. O brilho sobrenatural parecia pulsar de forma misteriosa, amea?adora, mas ao mesmo tempo, acalentadora.
Foi ent?o que notaram algo se movendo entre as juntas do equipamento. Um som baixo e sutil de estalos reverberou pela caverna, como se algo estivesse acordando de um sono profundo enquanto as runas brilharam cada vez mais intensamente.
O sorriso de Ana se alargou ainda mais e, ao lado da perturbadora rainha, o primeiro grito soou.
Raízes finas e escuras brotavam dos pontos de conex?o. Eram grossas como agulhas, adentrando diretamente na carne de seus usuários. Pareciam criaturas famintas, que se enrolavam ao redor de cada osso, nervo e tend?o, invadindo o corpo de seus portadores até que n?o houvesse mais distin??o entre onde terminava o humano e come?ava a armadura.
Para a própria surpresa, n?o conseguiram cortar o fluxo de mana, estavam sendo sugados até o limite. O desespero em seus olhos aumentou quando pensavam que tudo estava prestes a acabar, mas a macabra simbiose come?ou uma nova etapa. O metal come?ou a esquentar, irradiando um calor que rapidamente se tornou insuportável. A pele em contato com o material come?ou a arder, sendo derretida e moldada, fundindo-se de forma dolorosamente íntima.
O ch?o da caverna logo se tingiu de vermelho quando o sangue come?ou a escorrer das perfura??es, formando um mar carmesim aos pés de todos. Alex caiu de joelhos, ofegante, enquanto Nyx apertava os dentes para n?o gritar. Eva, com os olhos arregalados, segurava o bra?o, apoiada na parede com lágrimas escorrendo por suas bochechas.
Nem Garm foi poupado do sofrimento A prótese que se fundia ao seu corpo enviava choques agudos através de seu nervo restante, como se cada fibra do equipamento buscasse um lugar no que restava de seu antigo membro. Ele apertou os dentes com for?a, o rugido de dor preso em sua garganta enquanto o metal se espalhava por sua carne, ancorando-se aos ossos do coto. O lobo gigante tremia, mas seus olhos mantinham uma resolu??o sombria, mesmo que cada segundo fosse um inferno particular.
E, no centro de tudo, a figura de Ana se destacava, sua risada alta e insana vagando por cada canto da caverna, misturando-se ao som angustiante e à batida constante do sangue na pedra.
Para ela, a experiência foi um misto de êxtase e agonia. Cada movimento das raízes em seu bra?o era um esgar?ar da carne e do osso, que logo se fechava por conta própria, reconstruindo-se de uma maneira que parecia mais rígida, mais forte. Ela sentia cada nervo sendo reconectado, cada célula se adaptando à nova estrutura, como se tudo estivesse sendo reescrito em tempo real. Isso a deixou satisfeita, afinal, era sinal de que havia funcionado.
— Bem-vindos ao novo mundo! — exclamou a rainha, os olhos brilhando de uma loucura que parecia queimar com a intensidade de um sol prestes a explodir.
Neste momento, Ana notou que uma caixa permaneceu fechada, intocada em meio ao círculo de caos. Ela franziu a testa, seus olhos varrendo a caverna rapidamente, em busca de uma presen?a ausente. Foi ent?o que percebeu: o mentalista n?o estava ali.
“Puta que pariu, esqueci completamente dos malditos insetos”, pensou, sentindo um misto de frustra??o e urgência contida tomar conta de seus pensamentos, enquanto a brutalidade seguia firmemente ao seu redor.
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