home

search

Capítulo 114 - Alcateia de Três

  — Ela estava ficando mais forte a cada dia — comentou Garm, rindo com sua profunda e ressonante voz, ecoando pelas paredes da caverna. — Os humanos falam dela o tempo todo. Dizem que é um prodígio feroz.

  Ele hesitou, inclinando levemente a cabe?a, como se estivesse ponderando o que dizer a seguir.

  — Se você a visse agora, se orgulharia.

  Um pequeno sorriso tocou os lábios de Ana, e o lobo notou um lampejo de calor passando por seu olhar. Desde a primeira vez que viu a garota, com seu pequeno corpo tremendo enquanto enfrentava um coelho quase do seu tamanho, sabia que tinha algo especial, um potencial bruto que poderia ser lapidado em uma das mais raras jóias.

  Ela era forte, determinada e aprendia rápido. Descobrir que Lúcia estava se destacando, mesmo sem sua orienta??o direta, fazia o peito de Ana se encher de satisfa??o. Mas o sorriso rapidamente se desfez em uma express?o muito mais sombria.

  — Realmente fico feliz que ela está se virando, mas… ela é idiota? — perguntou a mercenária, o tom da voz endurecendo de repente. — Ela ainda estar ao lado de Jasmim, com tudo que aconteceu… é uma merda. Já devia ter fugido a muito tempo.

  Garm, que até ent?o estava relaxado, levantou as orelhas, intrigado.

  — Eu sabia que tinha algo errado — disse por fim, com um tom baixo e grave. — O sorriso daquela mulher... n?o cheirava à felicidade.

  — “Eu sabia que tinha algo errado, bla bla bla” — repetiu Ana, balan?ando as m?os em um gesto de zombaria. — Ent?o simplesmente é mais idiota ainda! Vocês dois n?o têm instintos de sobrevivência básicos? N?o sabem que devem evitar situa??es claramente perigosas?

  O lobo apenas ouviu em silêncio a torrente de reclama??es, sentindo-se injusti?ado. Seus olhos n?o conseguiam desgrudar do joelho de Ana, completamente vermelho pelo sangue seco, mas tinha medo demais para evidenciar tal hipocrisia. Além disso, mesmo que de uma estranha maneira, entendia que as palavras raivosas eram frutos de um tipo de preocupa??o escondida.

  Após soltar tudo o que precisava, a rainha finalmente parou e soltou um suspiro profundo, seus ombros relaxando após a tens?o do momento..

  — Bom, eu vou dar um jeito nisso assim que for possível.

  — Por que n?o buscamos ela agora?

  — Porque se est?o fingindo me procurar para manter a pequena idiota por lá, devem estar usando ela de isca — respondeu, frustrada. — Se estou certa, cada passo dela vai estar sendo monitorado.

  O animal soltou um som fraco, quase um gemido, e abaixou a cabe?a sobre suas patas dianteiras. Ele parecia perturbado, n?o apenas pela situa??o, mas pelo fato de que já fazia meses que ele n?o via Lúcia. Era como se a ausência dela o machucasse de maneiras que n?o sabia como expressar.

  Ana n?o p?de deixar de rir, sacudindo a cabe?a para a cena estranhamente c?mica.

  — Para de ser chor?o — provocou, apesar de sua voz estar mais suave do que rude.

  Garm olhou para ela com olhos grandes e brilhantes, seu orgulho ferido, mas sem conseguir segurar o lamento que escapava de sua garganta.

  — Mas... já faz tanto tempo... — Ele soou mais como um filhote do que como o grande lobo que era.

  Ana deu um passo em sua dire??o, se agachando ao seu lado. Colocou uma m?o sobre seu corpo maci?o, os dedos afundando levemente no pelo grosso. Garm tentou manter sua postura firme, imponente, mas logo fechou os olhos com o toque gentil, deixando-se relaxar por um breve instante.

  — Nós dois sentimos falta dela — disse a mercenária em uma voz quase sussurrada. — Mas você mesmo disse, Lúcia é forte. Ela vai se virar bem o suficiente.

  Ela ent?o se virou para a entrada da caverna, onde a luz do sol come?ava a iluminar o ch?o de pedra.

  — E você? — perguntou de repente, mudando de assunto e cruzando os bra?os de forma casual. — Quais s?o seus planos agora?

  O grande lobo inclinou a cabe?a para o lado, um pouco confuso com a pergunta.

  — Planos? Eu... n?o tenho planos. Vou voltar a seguir você, como sempre fiz.

  — Por algum motivo, sabia que você diria isso — Ana soltou uma risada baixa, quase divertida, e acenando a cabe?a de leve em negativa. — Mas pense um pouco mais. Você já percebeu que, assim como eu me tornei uma rainha, você também se tornou um rei? à sua própria maneira, claro.

  Garm a observou, com a confus?o em seu rosto lentamente dando lugar a uma compreens?o mais profunda.

  — Um rei...? — murmurou, hesitante. — Eu só... fa?o o que sei fazer. Luto, ca?o, protejo quem está ao meu lado. Nada além disso.

  — E isso já faz de você um líder muito melhor do que eu mesma. Você cuida da sua alcateia. é exatamente isso que os reis fazem. — Ela estreitou os olhos e perguntou novamente, com mais seriedade desta vez. — Ent?o, me diga. O que você realmente quer fazer agora?

  As palavras de Ana pareciam ressoar dentro dele, como se estivesse ouvindo algo que sempre soubera, mas que nunca havia realmente reconhecido. Um rei? Ele nunca havia pensado nisso dessa forma…

  You might be reading a stolen copy. Visit Royal Road for the authentic version.

  — Alcateia… n?o… você e Lúcia s?o minha alcateia. Os cinzentos s?o… fracos. Inferiores. Alimento obediente. Vou continuar te seguindo.

  Foi a vez da rainha recuar em confus?o com as palavras estranhamente inocentes da criatura. Ela encarou Garm fixamente por um momento, tentando enxergar algo dentro de seus intensos olhos. Aos poucos, sua express?o ficava animada, e um sorriso t?o grande quanto o Sol brotou enquanto levantava o polegar em aprova??o

  — Sabia que você era incrível! — disse ela, abra?ando-o de forma brincalhona. — Era o que eu esperava de alguém em quem confio. Apendeu t?o bem, lobo estúpido.

  Garm abanou a cauda, sem entender direito, mas satisfeito pelo elogio, apesar do leve desconforto ao encarar aquele perturbador sorriso. Logo voltou a uma express?o mais séria quando Ana continuou a falar.

  — Bom, sendo assim, facilita tudo. Aqueles caras lá fora… Eles realmente te obedecem?

  O lobo hesitou por um instante, seus olhos percorrendo o ch?o da caverna, como se estivesse revendo mentalmente as intera??es com sua alcateia.

  — Cada dia eu tenho mais controle sobre eles — respondeu, com a voz grave e confiante. — Eles me seguem, me ouvem, mas... ficam estranhos quando têm fome, instáveis. Pe?o desculpas pelo que aconteceu mais cedo.

  Ana ergueu a m?o em um gesto de desdém, como se quisesse afastar a preocupa??o dele.

  — N?o foi nada que eu n?o pudesse lidar. Na verdade, foi até bom, estava me sentindo enferrujada após tanto tempo sem bater em alguém — disse ela, o tom despreocupado. — O importante aqui é que você tenha o comando. Vamos precisar de todos eles.

  Ela se levantou e esticou os bra?os acima da cabe?a, como se estivesse se preparando para algo.

  — Precisar? — Garm repetiu, levantando uma sobrancelha canina.

  — Sim, claro. Preciso de puxadores de carro?a!

  — Puxadores de carro?a? — Garm repetiu novamente, meio perplexo, como se a ideia de seus lobos sendo usados para algo t?o mundano n?o pudesse adentrar sua mente.

  Ana riu da confus?o no rosto do animal, mas deu de ombros.

  — Alguém precisa fazer o trabalho sujo. E além disso, precisam ganhar o sustento, n?o é? — Ela piscou, explicando enquanto indicava para o lobo se levantar. — Se o que você diz for certo, n?o acho que v?o reclamar, desde que estejam bem alimentados.

  Garm soltou um grunhido baixo que parecia um meio-riso, e em seguida levantou-se, sacudindo o pelo grosso enquanto se aproximava de Ana.

  — Vamos, já é hora de retornarmos para casa.

  Com isso, ela come?ou a caminhar em dire??o à saída da caverna, o som de suas botas ecoando levemente nas paredes de pedra. O grande animal a seguiu de perto, suas poderosas patas deixando marcas profundas no solo. No entanto, conforme se aproximavam da entrada, ele acelerou o passo, e de repente, bloqueou o caminho.

  — O que é isso agora? — Ana perguntou, uma sobrancelha arqueada enquanto erguia o olhar para o lobo gigante.

  Sem responder, Garm abaixou-se lentamente, seus olhos brilhando com uma determina??o silenciosa, indicando que a mulher subisse em suas costas. Ana piscou, surpresa pela a??o. Ela já havia montado nele antes, mas por mais que dissesse n?o ser um rei, sentia que certo orgulho teria nascido no lobo ao se tornar um líder. Em um estranho lampejo de consciência, evitou tocar no assunto, mas parece que suas preocupa??es eram infundadas.

  — Ah, ent?o é isso... — murmurou, estendendo a m?o para afagar suavemente o focinho dele. — Te agrade?o, Garm.

  Com um salto ágil, subiu nas costas largas do lobo, sentindo os músculos poderosos se moverem debaixo de suas m?os. Ela se acomodou, apertando os joelhos contra os flancos dele e agarrando-se ao pelo grosso para se estabilizar. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Garm uivou alto, um som que reverberou pelas montanhas e florestas como um trov?o, e quase imediatamente, uma cacofonia de uivos respondeu de todos os cantos.

  Ent?o disparou, correndo com uma velocidade impressionante, cada passo seu fazendo o ch?o tremer levemente. Ana, pega de surpresa pela intensidade da arrancada, teve que se segurar com mais for?a do que pensou inicialmente. Seus bra?os envolviam firmemente o pesco?o do animal, o corpo inclinado para frente para manter o equilíbrio.

  O vento chicoteava o rosto dela enquanto eles se moviam como um borr?o pela floresta. Garm desviava das árvores com uma habilidade quase sobrenatural, seus olhos calculando cada movimento. Quando o espa?o era apertado demais, ele simplesmente esbarrava nelas com seu corpo massivo, entortando os troncos com o impacto, sem perder o ritmo. No entanto, mesmo com toda essa for?a e destreza, Ana sentia solavancos ocasionais, uma pequena oscila??o na corrida que n?o passou despercebida.

  "Tenho que resolver isso assim que possível", pensou, o olhar concentrado no local onde a pata deveria estar.

  Em menos de cinco minutos, os dois já estavam diante dos port?es quebrados da aldeia do povo verde. A cena que os aguardava foi, no mínimo, dramática. Os alde?es, no meio de suas tarefas cotidianas, ficaram imóveis, boquiabertos, os olhos arregalados ao ver Ana montada em um lobo gigante. Murmúrios ansiosos come?aram a se espalhar pela multid?o, enquanto dedos apontavam, e as cabe?as se viravam para acompanhar cada movimento da dupla.

  Miguel foi o primeiro a se aproximar, lentamente, observando Ana com uma express?o de leve confus?o e surpresa. Seus olhos passaram do rosto dela para o lobo, e ele franziu a testa.

  — Tem algo que eu deva saber? — perguntou o secretário mascarado, com uma pitada de ironia em sua voz, embora a hesita??o ainda fosse palpável.

  Em um salto gracioso, a mercenária aterrissou suavemente no ch?o. Ela deu um tapinha na lateral do lobo, como se estivesse agradecendo por uma jornada bem conduzida.

  — Este aqui é Garm, um velho companheiro.

  Miguel esperou por um instante, antes de perceber que a explica??o era simplesmente isso, sem mais, nem menos.

  — Um velho companheiro... entendo — respondeu por fim, com uma leve risada incrédula. — E o que mais eu preciso saber sobre ele?

  — Ah, n?o muito. Só que n?o precisa incluí-lo nas reuni?es, mas ele também vai ser um dos conselheiros daqui para frente — Ela lan?ou um olhar significativo para Garm, que parecia quase orgulhoso de sua nova designa??o.

  Miguel balan?ou a cabe?a, uma leve risada escapando de seus lábios enquanto cruzava os bra?os.

  — E posso saber que tipo de conselheiro? Parece que muitos cargos est?o sendo criados ultimamente…

  — N?o é óbvio? — perguntou Ana, como se realmente n?o entendesse a dúvida. — Ele será o novo guardi?o dos port?es!

  Miguel piscou, processando a informa??o. Guardi?o dos port?es? Um lobo manco gigante como protetor da cidade? Ele imaginou a cena por um segundo e, surpreendentemente, a ideia n?o lhe pareceu t?o absurda quanto deveria.

  Discord oficial da obra:

  Galeria e outros links:

Recommended Popular Novels