— Medo da morte?
A voz da mercenária soou fria, quase desinteressada. Marlene hesitou, seus passos desacelerando por um breve instante. Sua express?o era indecifrável, mas a tens?o estava presente em seus olhos.
— Sim — ela finalmente admitiu, a voz suave, quase um sussurro. — As coisas est?o... incertas.
A floresta ao redor parecia viva com uma pulsa??o própria. As árvores, de troncos altos e retorcidos, formavam uma cúpula natural acima de suas cabe?as, com folhas t?o densas que mal permitiam a passagem de um único raio de sol. O ambiente era úmido e repleto de um silêncio inquietante, como se a natureza estivesse prendendo a respira??o.
Antes que pudesse continuar, chegaram a uma clareira. O contraste com a escurid?o da floresta era gritante. O espa?o aberto estava banhado por uma luz suave, e vários habitantes estavam deitados pelo ch?o, suas formas vegetais relaxadas como em uma ressaca coletiva pós cerim?nia. Eles pareciam estar num estado de repouso profundo, absorvendo a energia do sol.
Ana observou aquilo com um misto de divers?o e estranheza, achando a cena estranhamente c?mica.
— Plantas pregui?osas... — resmungou com certo sarcasmo, com um sorriso enviesado em seus lábios.
De repente, ao sentir os calorosos raios solares, um formigamento percorreu sua m?o, trazendo sua aten??o de volta para si mesma. As encarou com curiosidade, notando as pétalas costuradas que vibravam suavemente, como se reagindo a algo.
Marlene permaneceu em silêncio, mas seus olhos observadores n?o perderam nenhum detalhe. Ela parecia entender o que Ana estava sentindo.
— Parece que... deu certo, afinal. Estou absorvendo mana — admitiu ela, seu tom carregado de uma resigna??o ir?nica. — Mas é t?o, t?o devagar…
Ela pausou, mexendo os dedos enquanto assimilava a sensa??o. Era como se sentisse a poeira entrando em sua pele por todos os lados e sumindo misteriosamente. Era refrescante, mas sutilmente inc?modo.
— Comer é mais rápido — acrescentou, um toque de frustra??o na voz. — Mas vai servir.
A anci? soltou uma risada suave, e logo também encarou as plantas em repouso.
— A absor??o de mana pode ser lenta, mas n?o é algo que buscamos ativamente acelerar. Aos poucos, crescemos… talvez aumente um pouco se você ficar descal?a — comentou ela em um misto de brincadeira com seriedade. — Felizmente, n?o envelhecemos como humanos. Nos últimos anos, parecemos ter mantido um estado semelhante ao que éramos antes. N?o sabemos qual é nossa expectativa de vida, mas mesmo com essa absor??o lenta, teremos tempo de crescer, desde que n?o enfrentemos amea?as externas.
Ana ouvia atentamente, e um brilho perigoso dan?ava em suas íris.
— Talvez eu devesse costurar mais plantas...
Marlene se aproximou, colocando uma m?o firme, mas gentil, no ombro da mulher em um misto de advertência e consolo.
— N?o fa?a isso — disse ela, seu tom carregado de uma seriedade quase maternal. — Eu n?o entendo completamente como, mas sei que você é muito mais velha do que aparenta ser. Se tornar uma de nós limitaria sua jornada.
Ela apontou novamente para seu povo, mas um ruído alto saiu do rádio quando tentou falar. Ajustando-o rapidamente, continuou.
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— Precisamos sempre estar em contato com o solo puro. A sobrevivência depende disso, do sol e de uma terra saudável. Além de que, quando nossas veias se desfizeram, perdemos a capacidade de manipular mana. Ainda a sentimos e ela permeia nossos corpos, mas n?o a usamos diretamente. Sem veias, n?o temos como nos defender... somos fracos, vulneráveis.
“Ainda parece tentador”, pensou a rainha enquanto contemplava a explica??o com uma express?o sombria. Porém, logo deu de ombros e descartou a ideia. “N?o é o primeiro ser que tem uma vida maior do que um humano comum, e sei que n?o será o último. Terei oportunidades melhores…”.
— Bom, ent?o é disso que você estava falando sobre o medo da morte?
Marlene acenou, seu rosto ficando mais sério.
— Sim. Em especial a parte sobre o bom solo. Nós usamos muitos nutrientes para sobreviver, e as criaturas n?o habitam mais essa área da floresta. Sem decomposi??o e sem outros seres para completar o ciclo natural, o solo está ficando cada vez mais pobre, n?o há nutrientes voltando para a terra. Nossos períodos de sono est?o cada vez mais longos, e temo algum dia deixar de acordar.
Ana franziu a testa, sem interromper a anci?, que n?o parecia ter terminado.
— Além disso, há os puros. Eles n?o parecem nos colocar na mira agora, mas logo após a nossa transforma??o, mataram todos de nós que estavam próximos a Barueri. Quando os mascarados chegaram e explicaram sobre o novo reino, vimos uma oportunidade. Pode parecer contraditório, mas a sujeira da cidade poderia nos ajudar a viver melhor… se você nos aceitar, mesmo que apenas nas redondezas, seremos muito gratos.
Ana ponderou por um momento, cutucando descontraidamente uma flor amarela em seu pulso.
— Fazendeiros.
Marlene inclinou a cabe?a, confusa.
— Desculpe?
Ana ergueu o olhar, os olhos sorrindo com a ideia.
— Vocês gostam de terra, certo? Virem meus fazendeiros. Podem pegar os nutrientes das trocas de colheitas. Com o ciclo certo, sempre ter?o terras abundantes. E quanto à sujeira da cidade, basicamente est?o pedindo... esterco, n?o é? Em troca, me dêem os equipamentos.
A anci? ficou intrigada por um instante, a surpresa se formando em seus olhos antes de se transformar em satisfa??o, e logo estendeu a m?o.
— Fiz bem em te convidar. N?o tenho motivos para recusar.
Ana pegou a m?o da mulher com firmeza, mas logo soltou com um pux?o, franzindo a testa ao sentir as vinhas que come?aram a se mover em dire??o ao seu bra?o.
— Sem vinhas, já cansei disso — Em um movimento brusco após as palavras de advertência, se virou para Miguel, que acompanhava alguns metros atrás com sua grande espada negra nas costas.
— Por favor, alinhe os detalhes com eles.
Ela pegou a arma das m?os do secretário e desenrolou o pano que a envolvia enquanto olhava ao redor.
— Você disse que n?o havia mais criaturas na regi?o — comentou, levantando a espada em dire??o a um ponto específico na floresta.
Marlene seguiu o olhar de Ana, confusa. Do meio da vegeta??o, podia-se ver um movimento sutil. A mulher-planta abriu e fechou a grande boca de planta carnívora por um instante, um gesto que lembrou Ana de alguém franzindo a testa.
— Pensei que tivessem vindo com você. Est?o rondando os arredores desde que chegaram na aldeia.
— Curioso... bem, sendo assim, vou ca?ar um pouco. — Com um sorriso nostálgico, a rainha come?ou a se afastar, movendo-se silenciosamente pela vegeta??o densa.
A cerca de trezentos metros dali, entre as sombras de um arbusto, um lobo cinzento e deformado a observava. Seus membros retorcidos maiores que um adulto e seus dentes que pareciam sempre estar em uma zombaria sinistra trouxeram a Ana onda de memórias felizes, mas dolorosas, de sua primeira luta neste novo mundo.
Ele estava parado, como uma estátua, os olhos, ambos afundados em uma máscara de pelos desgrenhados, cravados nos dela. O lobo n?o parecia disposto a fugir, e a mulher arrastava a espada lentamente, deixando a mente livre de pensamentos. Ela estava a poucos metros quando parou abruptamente, ouvindo um som rouco e distorcido emergir do fundo da garganta da besta.
— A… na…
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