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Capítulo 137 - Pelo Direito dos Fortes

  Luiz respirou fundo antes de come?ar a explicar, o olhar ainda distante, como se revivesse cada detalhe.

  — Eu tentei influenciá-los durante as negocia??es. Entrei na mente de Niala, achei que poderia direcionar as decis?es dela para que a alian?a fosse favorável a nós.

  — ótimo, fodam-se as orienta??es, né?

  — é que…

  — Só continue — riu Ana, balan?ando a m?o da forma que podia.

  — Certo… Eu tentei influenciá-los durante as negocia??es. Mas eles têm uma mente coletiva. N?o é como invadir uma pessoa, é como lidar com centenas, talvez milhares, de consciências ao mesmo tempo. Fui capturado antes de sequer entender o que estava acontecendo.

  Ana o ouviu, seus olhos afiados fixos em Luiz, mas havia algo mais ali: uma frieza que acompanhava a curiosidade.

  — E os outros emissários? — perguntou, direta.

  O semblante de Luiz obscureceu e ele hesitou, os lábios se apertando em uma linha fina. Quando finalmente falou, sua voz era um sussurro carregado de culpa.

  — Foram destruídos...

  Ana suspirou, desviando o olhar para o ch?o por um momento.

  — Que merda... — murmurou, sentindo o peso da perda. Mas n?o havia luto em seu tom, apenas a constata??o sem emo??o de uma falha.

  Ela voltou os olhos para Niala, que ainda estava caída no ch?o, seu corpo de aranha encolhido e imóvel.

  — Mente coletiva, você disse? — apontou para a rainha inseto com um movimento da cabe?a. — Esse é o motivo dela estar nesse estado?

  Luiz assentiu, a preocupa??o evidente em seu rosto.

  — Sim. A col?nia está em caos. O desespero do povo a afeta diretamente. Eles s?o como um organismo só, e quando a col?nia sente dor, ela também sente, como se estivessem arrancando peda?os de sua existência.

  Ana ouviu e, inesperadamente, come?ou a gargalhar. O som era áspero, quase cruel, como se ela encontrasse uma ironia mórbida na situa??o.

  — Se fodeu! — disse, ainda rindo, enquanto se ajeitava na parede, arrastando as costas lentamente até encontrar uma posi??o menos desconfortável.

  Ela respirou fundo e se virou novamente para Luiz, o sorriso sarcástico ainda estampado no rosto.

  — Achei que você estivesse preso... ou morto. Mas quem diria que você tem a porra da síndrome de Estocolmo. Como chegou nisso?

  Luiz desviou o olhar, envergonhado.

  — No come?o, eu realmente fui tratado como prisioneiro. Trancado, vigiado o tempo todo. Mas... com o tempo, as coisas mudaram. A rainha Niala, em meio ao tédio diário, come?ou a se interessar em mim — o homem riu fracamente, como se a ideia ainda fosse estranha para ele. — Ela nunca tinha visto uma pessoa com veias mutadas pessoalmente, parece que nem mesmo leitores nasceram em Myrmeceum. Era uma novidade para ela.

  — Ah, ent?o o pobre Luiz criou uma amizade com a rainha após essas reuni?es do chá? — provocou a mercenária, sua voz carregada de ironia.

  O homem balan?ou a cabe?a, um sorriso amargo se formando.

  — N?o foi exatamente assim — ele deu de ombros. — N?o que... n?o tenhamos uma amizade hoje em dia. Mas, no come?o, era algo de benefício mútuo. Ela me chamava com frequência, mas n?o era apenas por gentileza ou curiosidade. Era porque a vida dela é... um inferno constante.

  Ana arqueou as sobrancelhas, genuinamente intrigada. Luiz continuou, o tom da voz mais grave.

  — Niala recebe sinais mentais da col?nia o tempo todo, sem descanso, vinte quatro horas por dia. N?o importa se ela está acordada ou dormindo, os sinais continuam. N?o há silêncio, n?o há paz. — ele fez uma pausa, fazendo um pequeno gesto acima da cabe?a com dois dedos para indicar as antenas. — Ela n?o entende por que isso come?ou depois de ter se tornado uma corrompida, mas aceitou a responsabilidade de orientar a col?nia. Enfim, tenta ser uma boa rainha, mesmo com a carga absurda que isso traz.

  — Se a culpa é das antenas, n?o basta arrancá-las?

  — Talvez sim, mas tornaria a vida muito menos prática, s?o o tipo de gente que nunca aceitaria fazer isso….

  — Uma rainha presa pelas próprias emo??es do povo. é idiota.

  — Felizmente, n?o é sempre assim. O povo inseto n?o é como nós, humanos puros. Eles sentem, mas de maneira... diferente. S?o emo??es mais simples, a maior parte do tempo os pensamentos giram em melhorar a col?nia, sem distra??es. Mas quando algo os afeta, é intenso. Situa??es como a de hoje se transformam em uma tortura mental pra rainha. é por isso que ela... — o mentalista pareceu travar levemente, escolhendo as palavras com cuidado — Se tornou alcoólatra… A bebida nubla um pouco os sinais, entorpecendo a mente. N?o é uma solu??o perfeita, mas é a única maneira que ela encontrou para sobreviver.

  — Isso me faz gostar mais dela.

  — Pra ser sincero, quando a conheci logo senti que vocês iam se dar bem.

  Ana bufou, cruzando os bra?os e rindo baixinho, e Luiz continuou.

  — Nos últimos meses comecei a me conectar novamente com a col?nia, como da primeira vez. No come?o, foi insuportável. Cada vez que eu entrava, sentia como se minha mente fosse rachar ao meio. O tempo fez eu sincronizar com eles de forma quase perfeita, consigo ajudá-la a cortar algumas conex?es quando as coisas ficam difíceis, para que ela tenha um pouco de descanso. Mas como eu disse antes, era algo de benefício mútuo. Aprendi muito a respeito das minhas próprias habilidades no processo. Mentes s?o… fascinantes.

  Por um breve momento, o olhar no rosto do homem ficou feroz, predatório, enquanto encarava Ana, mas como se fosse apenas uma ilus?o, sua express?o logo voltou ao normal.

  — Bem, vou considerar tudo isso treinamento, n?o falaremos sobre puni??es. — disse Ana casualmente. — Agora vai lá e corta a cabe?a dessa desgra?ada.

  — Eles s?o boas pessoas, Ana... — murmurou, quase como se estivesse se desculpando.

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  — Boas pessoas? — a rainha mercenária repetiu, sua voz carregada de incredulidade. — Eles nos amea?aram com guerra se n?o explodíssemos uma cidade inteira. Isso é ser "bom"?

  — Isso é coisa do Verath...

  — O homem de terno? — Ana perguntou, lembrando-se da figura distinta que havia sido mencionada no relatório.

  — Sim, ele é o conselheiro da rainha. — Luiz assentiu. — é meio estranho, mas n?o é uma pessoa ruim. Bom, é mais frio que os outros insetos... Quando ele pediu para explodir a cidade, estava sendo prático. Os escamosos estavam causando problemas para os habitantes. E sobre a guerra... N?o passa de um blefe. é a estratégia dele para pressionar outras cidades e evitar um conflito real, uma rela??o de medo para manter tudo sob controle.

  — é um blefe burro — Ana comentou em meio a um riso seco.

  — Ele n?o quer uma guerra, mas também n?o a teme. A capacidade reprodutiva dos insetos é absurda, e há alguns entre os soldados que s?o realmente monstruosos… N?o é uma batalha que podemos vencer facilmente, caso venha a acontecer.

  — Que seja — Ana deu de ombros. — De qualquer forma, arranque a cabe?a dela. N?o acho que dá pra resolver a bagun?a dessa vez, aqueles túneis est?o realmente bagun?ados.

  Luiz hesitou, e Ana notou a mudan?a em sua express?o. Sua m?o novamente tentou discretamente se mover para a espada, cheia de desconfian?a.

  — Apenas vá embora, minha senhora — disse ele, a voz saindo firme, mas com um tra?o de tristeza. — Todos aqueles mortos s?o menos de um décimo da popula??o total. V?o ficar bravos, claro, mas v?o evitar uma guerra que n?o garanta vitória.

  — "Apenas vá embora"? — Ana repetiu, erguendo uma sobrancelha enquanto ignorava o resto da frase. — N?o quis dizer "vamos embora"?

  — N?o posso deixá-la. N?o até encontrarmos uma maneira de controlar as conex?es.

  Ana estreitou os olhos, o sorriso nos lábios se tornando mais afiado.

  — Quem diria que o cara que tinha preconceito com os corrompidos ia ficar t?o próximo de uma, hein?

  Luiz n?o respondeu de imediato, e sua express?o ficou carregada de seriedade.

  — Quero que você entenda uma coisa, Luiz — disse Ana, a voz mais grave e firme. — Eles têm a merda de uma mina de salitre!

  — Salitre?

  — Pólvora, caralho, pólvora! N?o dá pra arriscar depois de recebermos amea?as.

  Nesse instante, um som de riso dolorido ecoou pelo ambiente. Ana e Luiz se viraram para a origem do som, notando Niala, ainda deitada no ch?o, com um sorriso amargo nos lábios. Sua voz soava arrastada e desgastada, como se a simples fala fosse um esfor?o monumental.

  — N?o... Vou gastar... A pólvora que tenho... Com mascarados... Isso é para… Os puros — a voz da rainha inseto era entrecortada por pequenas tosses. — E... n?o temos uma mina de salitre... — ela fez uma pausa, respirando fundo — Apenas um estoque de pólvora já produzida... da Terra antiga.

  — Olha quem já acord… — comentou Ana, após virar o pesco?o com esfor?o, tendo a frase interrompida por tosses semelhantes às da outra rainha a sua frente.

  A fragilidade mútua pareceu desencadear uma sincronia entre as mulheres, que tossiam ritmicamente, quase como um reflexo uma da outra. Eventualmente, as tosses ásperas deram lugar a risadas fracas, ambas compartilhando um momento de humor sombrio, até que um silêncio pesado dominou a sala. Ana foi a primeira a quebrar a quietude.

  — Você mencionou que o uso destina-se aos puros. Pretendem explodir parte de Barueri?

  Niala, ainda deitada, ergueu o olhar, os olhos brilhando com um toque de desdém.

  — Você é mais ingênua do que parece, assassina estúpida — respirou fundo antes de continuar, o esfor?o evidente em seu rosto. — Barueri é um pesadelo. Eles n?o dependem apenas de constru??es, é uma fortaleza.

  Ana estreitou os olhos, observando a mulher-inseto com interesse.

  — E como exatamente isso impediria uma bela explos?o à moda antiga?

  Niala sorriu levemente, como se achasse divertida a falta de conhecimento de Ana.

  — Eles têm runas de dissocia??o nas funda??es dos prédios, desenhadas para dissipar qualquer impacto direto que atinja as estruturas. Uma explos?o, especialmente uma que n?o envolve mana... só deixaria fuma?a e algumas marcas — Niala parou por um momento, olhando para Ana, como se gostasse de sua ignorancia sobre o assunto. — Você n?o conseguiria nem arranhar as paredes.

  Ana inclinou a cabe?a, ponderando as palavras de Niala. Por um breve instante, um brilho de admira??o cruzou seu rosto.

  — Interessante — comentou, sem rodeios, como se conversasse consigo mesma. — Minha cidade n?o tem isso.

  Luiz arregalou os olhos, claramente surpreso com a exposi??o de detalhes t?o importantes da defesa de seu próprio território, mesmo que confiasse em Niala, n?o se devia falar esse tipo de coisa. A rainha mascarada percebeu a incredulidade do mentalista, o que a fez rir.

  — Relaxe, homem. Neste momento, n?o importa que ela saiba disso.

  Suspirando, Ana balan?ou o corpo para impulsionar-se para frente, for?ando-se a se levantar. Involuntariamente, mostrou os dentes por um instante, sentindo que as bandagens ao redor de seu torso come?avam a se tingir de vermelho novamente.

  Com passos lentos e pesados, se dirigiu até sua espada, abaixando-se com esfor?o para pegá-la. Luiz observava, inquieto, sem saber o que esperar, enquanto ela, como se n?o quisesse nada, come?ou a caminhar em dire??o à rainha inseto.

  Niala, ao perceber o movimento, moveu uma de suas patas, a ponta afiada como uma lan?a, na dire??o do est?mago de Ana. Mas a mercenária foi mais rápida, com um movimento certeiro, levantou a perna e esmagou a armadura negra que protegia o fino membro contra o ch?o. O movimento quase a fez perder o equilíbrio, mas ela se firmou, sorrindo com um ar de desafio.

  Sem perder tempo, as outras três pernas aracnídeas foram direcionadas ao rosto de sua inimiga, preparando-se para uma retalia??o. Mas já era tarde demais. Ana, com um sorriso gélido, já havia encostado a lamina contra o pálido pesco?o a sua frente.

  — Você já deve saber, mas meu pequeno reino em breve estará cruzando armas com os puros — murmurou, a voz baixa e amea?adora. — O inimigo do meu inimigo é meu amigo, certo? Vai se juntar a essa guerra?

  — As perdas ser?o maiores que os ganhos. Essa guerra só levará você e os seus ao colapso — Niala bufou de forma cansada e desdenhosa.

  Ana aumentou a press?o da lamina, a qual come?ou a deixar uma leve marca vermelha no aparentemente frágil corpo. Seus olhos percorreram as patas de aranha que a circundavam, reparando nas runas intricadas que cobriam cada segmento, cada uma mais complexa que as vistas nos habitantes de Myrmeceum. Ela sentiu um leve formigamento de ambi??o ao imaginar o que poderia estudar com aqueles símbolos.

  “Parece que ainda tenho muito o que aprender…”, pensou, mal conseguindo supor a funcionalidade de cada parte da armadura. Com tal conhecimento, poderia aprimorar suas próprias cria??es. Era um desperdício ter que destruir um povo que podia agregar tanto.

  Logo sua vista voltou a fixar-se nos olhos de Niala, aproximando o rosto da outra rainha com um sorriso frio.

  — Covarde.

  — Sim, mas uma covarde viva... a sobrevivência nem sempre permite seu ridículo idealismo.

  — Idealismo? — perguntou Ana, com um tom de ironia marcando seu tom. — Você me entendeu errado. Covarde é um elogio. Recusar uma batalha perdida é mais sensato que se jogar em uma guerra suicida. Mas... essa guerra entrou no meu caminho, e eu n?o vou recuar. N?o lute, se quiser, mas n?o espere que eu venha te salvar se os puros finalmente baterem na sua porta.

  Ana afastou a lamina do pesco?o da rainha, dando um último olhar antes de voltar a sentar-se.

  — E claro, quanto ao estoque… pelo direito dos fortes, ou seja, de quem consegue levantar a porra da espada nesse momento, a pólvora agora é minha.

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