Mana reversa.
Uma for?a distorcida, imprevisível, violenta. Ela agia como uma cobra espreitando sua presa: pequenas partículas, quase invisíveis, come?avam a emergir do ambiente, partículas t?o sutis que até mesmo um observador atento poderia n?o perceber. Mas, como uma serpente que n?o hesita em atacar, o verdadeiro perigo estava no bote.
Aquela tonalidade esverdeada que permeava o ar foi subitamente consumida. N?o houve fus?o, nem uma harmoniosa mistura de energias; foi um ato de domina??o. A mana reversa subjugou a energia que já havia preenchido o espa?o, torcendo-a, dobrando-a sob sua vontade deturpada. A névoa, que antes já era venenosa, se transformou em algo mais letal, uma sombra negra que pairava pesada no ambiente, pulsando com uma presen?a incontrolável e destrutiva.
O efeito foi imediato. As criaturas que antes resistiam agora caíam aos montes. Seus corpos, que até ent?o só haviam sentido o inc?modo do composto químico, agora convulsionavam de forma violenta. Exoesqueletos rachavam com sons agudos e dolorosos enquanto a substancia corrosiva consumia suas entranhas. N?o havia chance de sobrevivência: suas carnes se desintegravam, seus órg?os se liquefaziam, e cada uma delas caía ao ch?o em pilhas grotescas de carne dilacerada e restos em decomposi??o.
O cheiro da morte se espalhou rapidamente, encharcando os túneis com um odor sufocante. O ch?o ficou coberto de corpos, os olhos inexpressivos das criaturas refletiam o terror absoluto enquanto observavam a névoa negra avan?ar, trazendo consigo a destrui??o.
Ana, ofegante e exausta, finalmente se for?ou a levantar. Suas m?os tremiam violentamente enquanto agarrava a espada cravada no ch?o, usando a lamina para se sustentar. A arma, t?o encharcada de sangue quanto o próprio ar ao seu redor, parecia, de alguma forma, descontente com o rumo das coisas, insatisfeita com as a??es de sua portadora, mas Ana n?o conseguia definir se era apenas uma sensa??o ou n?o.
A mercenária percebeu que mesmo com todo o esfor?o, seu corpo a traía. Uma dor lancinante percorreu seu abd?men, for?ando-a a vomitar sangue. O gosto metálico invadiu sua boca, e a bile misturada com o veneno a sufocava, queimando por dentro. Cada respira??o era um esfor?o colossal, o ar ao redor dela havia se transformado em sua própria maldi??o. A mesma névoa que matava seus inimigos fazia quest?o de deixá-la à beira do colapso.
Ainda assim, em meio à agonia, um meio sorriso se formou em seus lábios, radiante, imperturbável, refletindo o prazer perverso que aquela situa??o trazia. Sentia-se viva de um jeito que nada mais a fazia sentir. Ela estava no limiar entre a vida e a morte, e aquele era o espa?o onde Ana aprendeu a brilhar.
Ela deu um passo, depois outro.
Ent?o, como um furac?o prestes a engolir tudo em seu caminho, Ana come?ou a correr.
Sua corrida era desleixada, mas rápida, e a espada em suas m?os, sutilmente mais leve do que nos últimos meses, era arrastada pelo ch?o, criando faíscas que davam um toque fantasioso para a escurid?o da caverna. A névoa negra a seguia como um manto de destrui??o, se expandindo a cada segundo, acompanhando seus movimentos.
Os túneis que antes pareciam intermináveis agora se tornaram sua arena. Ana era a rainha daquele espa?o. Uma rainha estúpida, mas uma rainha. A cada espa?o que cruzava, a toxina se infiltrava nas passagens como uma praga viva, se espalhando sem controle.
Os "animais insetos" que a observavam come?aram a recuar descontroladamente, seus movimentos descoordenados e erráticos denunciando o pavor que os consumia. Mas nenhum deles foi rápido o suficiente para escapar da invasora. Com a for?a obscura pulsando em seus músculos, Ana os alcan?ou em um piscar de olhos. Ela podia sentir os estalos nas juntas, os ossos e músculos reclamando de forma audível. Seu corpo implorava por descanso, mas n?o conseguia parar.
— é t?o bom... — murmurou, quase como se estivesse compartilhando um segredo com o próprio ar ao seu redor. — E isso é apenas o come?o.
Aquela situa??o era como nadar em um vasto oceano de mana. Havia algo quase c?mico, até reconfortante, na forma como aquela energia a envolvia. Era como se a sustentasse, mantendo sua mente consciente o suficiente para saborear cada momento do caos que criava. Cada corpo que caía aos seus pés exalava o divino nutriente necessário para expandir cada vez mais sua mini encarna??o de inferno.
E ent?o, ela os encontrou.
Pais, m?es, crian?as. Habitantes daquela enorme cidade, todos caminhando pelos túneis sinuosos, alheios ao destino que os aguardava. Eles faziam parte da col?nia, mas naquele momento eram meros prisioneiros da própria existência.
Os túneis complexos e apertados haviam se tornado a ferramenta dos sonhos de um genocida. Um labirinto sem saída, onde podia-se ca?ar sem piedade. Uma armadilha mortal para todos os que ousavam estar ali.
— Seria perfeito... se n?o fosse um suicídio... — ela riu, o som seco e rouco ecoando pelos túneis, enquanto continuava sua corrida desenfreada.
Ana n?o parou para lutar. N?o havia necessidade. Ela apenas corria entre eles, como uma sombra da morte, deixando a névoa fazer o trabalho sujo. Gritos ecoavam por todos os lados, gritos de desespero, de dor. O panico se alastrava. Ela ouvia atrás de si os sonos angustiados de famílias sendo destruídas, as súplicas de m?es enquanto viam seus filhos desmoronarem diante de seus olhos, as preces v?s dirigidas a céus que n?o iriam responder.
Cada grito enchia Ana de uma excita??o que mal podia conter.
Sua corrida n?o tinha uma dire??o definida, era como um c?o enlouquecido em busca de seu próximo brinquedo. Virava esquinas bruscamente, mudava de dire??o, sempre em busca de mais vida.
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Todos os três encaixes de sua armadura estavam preenchidos com os últimos frascos da essência regenerativa que levava consigo, mas até isso tinha seus limites. A cada segundo que passava, tornava-se menos eficaz. A adrenalina a mantinha em pé, mesmo quando seu corpo dava sinais claros de que n?o aguentaria por muito mais tempo. O sangue escorria de cada orifício, tornando suas vestes cada vez mais vermelhas. Sua vis?o estava obscurecida por esse líquido carmesim, tornando o mundo apenas um borr?o, mas isso n?o a incomodava. A dor, o cansa?o, tudo era irrelevante.
— Só mais um grito... — sussurrou em um som abafado pelo sangue que escorria de seus lábios enquanto se divertia com sua própria obsess?o.
E ent?o, de repente, algo chamou sua aten??o. Uma grande porta estava à sua frente, imponente, selada com firmeza. O contraste entre a estrutura e a carnificina ao seu redor era estranho, quase deslocado. Diante da estrutura, dois guardas estavam de pé, como os últimos basti?es daquele mundo de sofrimento.
A armadura deles era mais complexa que o normal, uma obra-prima de combate. Cobria seus corpos como uma segunda pele, cada pe?a meticulosamente moldada para oferecer tanto prote??o quanto intimida??o. As runas gravadas ao longo das placas de metal n?o eram meramente ornamentais, todas brilhavam com um fulgor gélido, emanando uma energia densa, carregada de poder. Mantinham-se firmes, postados sobre suas alabardas, com uma postura ereta e imponente que deixava claro que, independentemente do que acontecesse, eles n?o iriam sair da frente daquela porta.
Ana se aproximou devagar, cautelosa. Ela parou sua manifesta??o, fazendo a névoa negra que a envolvia desaparecer em um instante, apesar de ainda estar firmemente impregnada pelo ar. Ela podia sentir que o próximo confronto seria diferente, precisaria de concentra??o total. Seus olhos, porém, n?o puderam evitar desviar por um momento, tentando decifrar o que poderia estar atrás daquela porta magistral. Por fim, voltou a olhar para a dupla, avaliando as possibilidades.
— é uma atitude idiota, mas honrada. — murmurou ela, quase para si mesma, mas com o volume suficiente para ser ouvido. — Eu os respeito por isso.
Ela deu mais um passo, agora entrando em uma posi??o de guarda, sua espada tocando o ch?o, como se estivesse embainhada na própria terra, pronta para um golpe iminente. O movimento parecia vacilante à primeira vista, mas os guardas sentiram que havia algo profundamente calculado ali.
Foi ent?o que Ana percebeu que, apesar de manterem as aparências, os dois n?o estavam em melhores condi??es que ela. Sangue escorria pelas fendas de suas armaduras em uma estranha e espessa mistura de amarelo e verde. Seus corpos também estavam destruídos, mas ainda assim, ergueram suas alabardas com esfor?o, apontando-as diretamente para Ana. A madeira das hastes das armas rangia sob a press?o de seus apertos, e suas laminas brilhavam mortalmente sob à luz fraca que adornava a porta.
— Quem é você, intrusa? — perguntou o guarda mais à esquerda em uma voz surpreendentemente refinada, cortês e civilizada, como se estivesse iniciando uma conversa trivial em vez de uma luta iminente.
Ele trajava uma armadura negra, pontilhada com espinhos amarelados que lembravam a estrutura de um vespeiro. Sua presen?a era esguia, mas n?o menos amea?adora. Duas asas se dobravam em suas costas, mas pareciam pequenas demais para sustentar seu peso no ar, apesar de completarem a imagem de uma criatura letal, sempre pronta para atacar. A própria forma de sua armadura dava a impress?o de que ele estava preparado para ferroar qualquer inimigo que ousasse se aproximar. Seus movimentos, mesmo restritos na caixa de metal, exalavam uma certa elegancia. Uma letalidade controlada, quase nobre.
— Apenas mate-a, Aculeo — rugiu o guarda da direita, um colosso de um homem-inseto, com quase o dobro do tamanho de um humano comum. — N?o vê que ela é a causa disso?
Contrário ao outro homem, sua armadura parecia mais um tanque do que uma vestimenta. Grossa, refor?ada e quase impenetrável, ela o fazia parecer imbatível. O grande chifre que saía de sua testa, dividido em dois como uma estátua gigante de um besouro-rinoceronte, completava a imagem de uma besta de guerra. Cada passo que ele dava era um lembrete de sua for?a esmagadora, o ch?o sob seus pés tremendo com o peso de sua presen?a. Sua postura n?o era apenas defensiva, mas sim agressiva, como se estivesse prestes a explodir a qualquer momento.
Aculeo lan?ou um olhar feroz para seu companheiro, que agora se colocava à sua frente, preparado para atacar.
— Isso se chama cordialidade, Cornua. N?o viu que ela foi educada quando se aproximou? — disse ele, dando um passo à frente. Antes de continuar, fez um leve aceno de cabe?a em dire??o a Ana, como se reconhecesse sua atitude.
Ana ouviu a troca entre eles com uma leve divers?o estampada no rosto. A situa??o era tensa, mas o tom cordial de um, em contraste com a brutalidade do outro, trazia uma ironia que a divertia. Ent?o, ela fez uma reverência exagerada, teatral, baixando-se tanto que sua testa quase tocou o ch?o, falando diretamente nesta posi??o, sem encarar seus ouvintes.
— Eu sou Annabelle, a Rainha dos Mascarados. Soube que, em minha ausência, ousaram fazer amea?as aos meus conselheiros. Vim humildemente solicitar uma audiência pacífica com essa a tal rainha Niala!
A risada baixinha que vinha de trás da máscara monocromática da mulher foi a gota d’água para Cornua. Furioso, rugiu e deu um passo à frente, sua alabarda já preparada para o ataque.
— Como ousa zombar de nós?! — bradou, lan?ando-se na dire??o de Ana com a for?a de um trem de guerra.
— Tsc... — suspirou Aculeo, como se já antecipasse o que estava prestes a acontecer. Ele estava alguns passos atrás, mas, estranhamente, o alcan?ou em um instante, movendo-se com uma rapidez inesperada.
O sorriso de Ana se alargou, seus olhos brilhando com uma malícia predatória.
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