Após dias de viagem em uma cansativa linha reta, finalmente se encontraram diante de um dos port?es que marcavam os limites da parte clara do abismo. A estrutura desgastada estava coberta por uma estranha fuma?a em tons pretos e amarelos, semelhante a que Ana havia encontrado ao sair da escurid?o absoluta.
— Ainda é um mistério como essa fuma?a n?o escapa… bom, se for igual ao port?o que eu conhe?o, vai ter algo logo atrás — comentou Ana, seus olhos analisando o port?o de forma desinteressada.
— N?o entendo, como alguém conseguiu fazer as criaturas protegerem esses lugares de forma contínua? — Lúcia perguntou, intrigada.
— Eu também n?o sei, mas é assim que as coisas s?o — respondeu a mentora, balan?ando a cabe?a.
Em meio a conversa, Ana brincava com a espada negra em suas m?os. O metal escuro e as marcas registrando as mortes brilhavam com um tom sombrio sob a luz fraca da tocha que Lúcia segurava.
“Um metro e dezessete centímetros, quase dois quilos. alguém usou minha espada mais do que deveria. Usar só uma m?o talvez n?o seja adequado…”, pensou a mulher, tentando sentir onde estava o atual ponto de equilíbrio da lamina.
— Se n?o recordo mal, é assim que se usa uma espada bastarda… — murmurou para si mesma. Como se lembrasse algo, come?ou a girar a arma em uma dan?a quase hipnótica.
Seus pés deslizavam pelo ch?o em padr?es complexos, enquanto a espada cortava o ar com uma fluidez elegante. Cada giro e cada estocada eram executados com uma habilidade que parecia transcender o conceito de corpo e a lamina como objetos separados, criando uma harmonia simbiótica onde ambos n?o pareciam capazes de existir um sem o outro.
Lúcia observou cada a??o, admirada e confusa. Era cativante, poético, belo, como se contasse uma melancólica história de memórias esquecidas. O ritmo dos movimentos era quase musical, como se Ana estivesse seguindo uma melodia inaudível, e cada passo ecoava um sentimento de profunda nostalgia e saudade, mas também tristeza e solid?o.
— O que é isso? — perguntou a menina, sem conseguir desviar o olhar.
— Pode parecer bobo, mas chamo de “Dan?a de Ana”. Foi algo que criei há muito tempo, quando as coisas eram mais… calmas — respondeu a mercenária, com seus olhos saindo da arma em suas m?os e pousando sobre a garota.
Ela já havia notado isso, mas Lúcia havia realmente crescido. A mana a tornou muito maior do que se esperaria de alguém com apenas treze anos de idade.
— Ei, você gostaria de se tornar uma mestra de armas?
— O que é isso?
— Vamos, o nome é autoexplicativo, pense um pouco!
— Já sou uma manipuladora. N?o acho que combina…
— Você n?o deveria confiar só nessa merda de mana. Além disso, n?o consegue se imaginar como uma espadachim mágica? Seria algo digno de cinema!
— O que é cinema?
— Cala a boca, você tem perguntas demais! — respondeu Ana, rindo da inocente curiosidade.
Lúcia suspirou e se aproximou com passos hesitantes.
— Se você acha que eu devo aprender, eu n?o me importo de treinar um pouco…
O sorriso da mercenária se aprofundou, e foi saltitando até uma das pesadas bolsas de couro. Após procurar um pouco, achou uma fina adaga longa e jogou para a menina.
— Imite-me. Agora.
— é realmente a hora adequada? — Lúcia perguntou, segurando a adaga com cuidado.
— Podemos morrer daqui a pouco. N?o há hora melhor — respondeu Ana, afagando a cabe?a da garota.
Pelas próximas horas, as duas treinaram juntas. Cada movimento de Ana era seguido de perto por Lúcia, que se esfor?ava para acompanhar. Uma uni?o diferente nascia entre as duas, forjada pela necessidade e pela admira??o mútua. A mercenária observava a garota suando enquanto tentava acompanhá-la, vendo muitas falhas em seus movimentos, mas apenas sorria, lembrando de si mesma no passado.
Desde que a conheceu na floresta, ela estava absorvendo tudo que foi ensinado como uma esponja, uma característica que Ana achava incrível.
— Está bom o suficiente por hoje, vamos parar para comer algo — falou Ana, quando Lúcia mal conseguia levantar a adaga. — Se importa em acender o fogo? Vou separar um pouco de carne.
— N?o tem problema, mas posso fazer uma pergunta?
— Fale de uma vez.
Lúcia fez uma pausa, hesitando antes de perguntar.
— Por que você sempre pede para eu fazer essas coisas simples com mana, mesmo quando pode fazer só esticando um dedo?
Ana parou o que estava fazendo, olhando para Lúcia por um momento. Suspirou, seus olhos refletindo uma mistura de frustra??o e aceita??o.
— Porque eu n?o consigo usar mana — confessou Ana, a voz mais suave do que o normal. — Quer dizer, por certas raz?es, n?o conseguia. Hoje em dia teoricamente consigo, mas já tentei das mais diversas formas e nada acontece. Posso sentir a mana, mas n?o consigo moldá-la.
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— De verdade? Você sempre pareceu t?o... poderosa — Lúcia franziu a testa, surpresa.
— Eu entendo o conceito conhecido de magia, modificar as moléculas circundantes e tudo mais. Sei como o fluxo deve ser após tentar imitar os padr?es rúnicos que conhe?o, mas quando penso no processo todo, nada acontece, mesmo ao tentar gerar uma simples chama.
Lúcia n?o respondeu, apenas inclinou a cabe?a enquanto tentava processar o que ouviu. Com um suspiro, Ana mudou a explica??o.
— Imagine o fogo — come?ou Ana, sentando-se ao lado da garota. — Você sabe que precisa de calor, combustível e oxigênio. Eu entendo isso. Posso visualizar cada molécula se rearranjando, a energia se transferindo. Mas, quando tento fazer isso com mana... simplesmente n?o funciona.
Nesse instante, como se para demonstrar, esticou uma das m?os, observando seus dedos esguios à luz da fogueira que acabara de ser acesa.
“Tenho m?os t?o estranhas”, pensou ela, notando as muitas cicatrizes que se espalhavam por sua pele, resquícios do que teve que passar desde que chegou ao abismo. Concentrou-se e fez a mana fluir. O tempo passou e sentiu seu corpo queimar loucamente, mas nada aconteceu.
Lúcia mordeu o lábio, sentindo o caótico fluxo, pensando profundamente.
— Ainda n?o entendi nada. Eu n?o penso tanto quando uso magia. Eu só fa?o — Levantando a m?o, Lúcia demonstrou sua habilidade. Um pequeno tornado de vento come?ou a girar ao redor de seus dedos. — Veja, é como isso. Eu sinto a mana, e ela simplesmente... responde.
Ana observou com aten??o, tentando captar o processo e logo Lúcia continuou.
— Uma mo?a na aldeia podia atrair os pássaros apenas colocando mana na voz. Ela n?o sabia falar com eles, mas conseguia. E o velho Jorge, da taverna, tocava viol?o e as notas que saíam do instrumento relaxavam todo mundo. Duvido que eles soubessem exatamente o que faziam.
Ana refletiu sobre isso, e logo um pequeno estalo surgiu em sua mente ao lembrar-se de Marina, a maga prodígio de seu antigo grupo. A jovem melhorou suas habilidades após sua sugest?o de estudar processos, mas antes disso, já conseguia usar magia intuitivamente.
— Vamos tentar algo diferente — disse Ana, enquanto Lúcia a olhava, intrigada. — Quero que você tente ficar invisível. — pediu a mercenária.
Lúcia franziu a testa, surpresa com o pedido inusitado, mas fechou os olhos, tentando se concentrar. Após alguns segundos, seu corpo come?ou a se tornar translúcido, como se estivesse se misturando com o ambiente ao redor, mas sua forma ainda era claramente visível.
— O que você fez?
— Pensei na água, em como n?o consigo ver através dela já que sou refletida... e simplesmente aconteceu — Lúcia explicou, abrindo os olhos lentamente, ainda meio translúcida.
— Ok, isso é um ótimo come?o. Agora, vou explicar um pouco sobre refra??o e reflex?o — Ana come?ou, mantendo um tom didático. — A luz muda de dire??o quando passa de um meio para outro. No caso da água, a luz se refrata, o que faz com que as coisas pare?am distorcidas. Se você conseguir controlar a mana para alterar o índice de refra??o ao redor do seu corpo, poderá se tornar invisível de verdade.
Lúcia assentiu, tentando absorver a explica??o. Ana continuou, detalhando o processo de forma simplificada, para que a menina pudesse entender.
— Imagine que a luz é como um rio, fluindo ao seu redor. Você precisa desviar esse fluxo para que ele contorne seu corpo, n?o refletindo de volta para os olhos de quem olha. Parece simples, certo? — Ana demonstrou com gestos, movendo as m?os no ar para ilustrar o conceito.
Lúcia fechou os olhos novamente, visualizando as palavras que ouvia. Sentiu a mana fluindo dentro de si e, lentamente, a garota come?ou a desaparecer, como se estivesse se fundindo com o ambiente de maneira perfeita.
“Seja por genialidade ou simples instintos, ela ainda é simplesmente incrível”, pensou Ana, apenas observando a cena enquanto sorria.
— Consegui? — perguntou a menina, olhando para as próprias m?os, agora quase invisíveis.
— Sim, você fez um ótimo trabalho, me ajudou muito a entender o que devo fazer.
— Como assim?
— Estou pensando demais. Parece que imagina??o e lógica se complementam, e eu estava pendendo apenas para o lado técnico da coisa. Bem, saberemos quando eu tentar novamente.
Com o término de sua frase, Ana fechou os olhos, assim como a menina havia feito durante sua explica??o. Uma figura clara come?ou a se formar em sua mente: uma grande chama, t?o intensa que poderia queimar os céus. Visualizou cada detalhe com uma precis?o quase artística, sentindo a expectativa e o poder se acumularem dentro dela.
Um calor abrasador que faria sua pele formigar.
O ar ao redor sendo sugado pela chama voraz.
O oxigênio alimentando o fogo, com suas moléculas vibrando e se rearranjando numa dan?a caótica e bela de fus?o entre energia e matéria.
O brilho ofuscante que iluminaria o céu, um farol de destrui??o pura.
Estendendo a m?o, come?ou a murmurar cada passo técnico necessário para a chama acender, suas palavras formando um mantra rítmico e preciso. Sua mana parecia um rio prestes a transbordar, e ela decidiu deixar que fluísse livremente, sem for?ar o padr?o que tanto havia tentado antes.
Choques de dor percorriam seu corpo, mas era como se fizessem parte do todo. A imagem do fogo parecia cada vez mais real, como se já fosse algo existente em toda sua grandiosidade. E ent?o, de repente, uma chama maior do que seu próprio corpo, t?o intensa quanto a que havia imaginado, surgiu à sua frente, iluminando tudo ao redor com uma luz ofuscante.
“é isso! Minha mente estava fechada demais…”, pensou Ana, animada.
No entanto, a alegria foi breve. Uma pequena esfera negra se formou no centro da chama, fazendo-a escurecer rapidamente. Mesmo com todo o seu ardor, o fogo n?o conseguia superar a escurid?o que o consumia. Lúcia sentiu um arrepio repentino quando as brasas da manifesta??o de mana se aproximaram, caindo para trás com um medo intenso no olhar.
Tudo durou apenas por um instante, e logo a luz se apagou completamente.
Ana caiu de joelhos, perdendo o sorriso enquanto uma sensa??o de vazio tomava conta de seu corpo. Sentia-se como se toda a energia tivesse sido drenada de dentro de uma vez, seguida por uma sensa??o avassaladora de afogamento. Seus pulm?es pareciam incapazes de se expandir, e ela agarrou a garganta, desesperada por ar.
Sua vis?o come?ou a escurecer nas bordas, e o mundo ao seu redor parecia se afastar. O som abafado dos batimentos cardíacos preenchia seus ouvidos, cada pulsa??o como um martelo em sua cabe?a. Com olhos arregalados, viu a carne que estava separando para o jantar de canto de olho e, com um impulso desesperado, ela se arrastou até o alimento, mordendo-o de imediato de forma quase frenética.
Era como se uma pequena gota caísse dentro de um grande lago vazio, mas foi o suficiente para ela sentir o ar voltar a seus pulm?es. Cada mordida parecia restaurar um pouco de sua energia, uma lenta revitaliza??o que trazia um alívio quase doloroso.
— Merda de mana! — resmungou ela, com uma voz baixa e rouca, enquanto inconscientemente come?ava a cantarolar.
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