A enorme quantidade de sangue escorrendo de sua cintura já causava tonturas. N?o havia tempo para hesita??o. A decis?o estava clara, mas o ato em si era horrível.
— é diferente de comer um animal — resmungou Ana, torcendo a boca em um pequeno beicinho.
Com um movimento rápido, ela come?ou a abrir o peito da Sombra. Era uma sensa??o estranha, mas pela primeira vez em muitos anos, suas m?os estavam tremendo enquanto trabalhava.
Dentro da caixa torácica um cora??o negro ainda pulsava lentamente, como se recusasse a aceitar o fato de que o corpo em que estava já n?o respirava. O contraste entre a pele pálida da Sombra e o cora??o escuro era macabro, mas Ana n?o tinha escolha. Ela sabia que precisava consumir essa for?a para se recuperar, para sobreviver.
Ela pegou o cora??o nas m?os, sentindo a textura fria e dura. O peso da responsabilidade e do sacrifício de sua amiga recém feita a pressionava. Após mais um breve momento de hesita??o, ela levou o cora??o à boca, dando uma grande primeira mordida.
“N?o é como se eu esperasse um carpaccio, mas isso é simplesmente horrível…”, pensou, enquanto o gosto amargo e mais metálico do que o sangue comum passava por sua boca. A mercenária teve que lutar contra o reflexo de náusea que subia por sua garganta.
Assim que come?ou a comer o cora??o, sentiu a t?o esperada onda de energia invadir seu corpo.
“N?o era pra ser assim!”
Imediatamente após perceber que algo estava errado, ela caiu no ch?o, tossindo sangue. Sentiu seu corpo queimar por dentro, como se um fogo estivesse consumindo cada célula.
“Filha da puta… no fim é você quem vai me matar?”, seu olhar de zombaria caiu sobre o corpo sem vida a seu lado.
Ela estava convulsionando enquanto o que consumiu da Sombra se fundia a ela. N?o tinha for?a para gritar, porém ainda assim tentava, mas a dor era t?o intensa que roubava seu f?lego.
Enquanto sua mente vagava pela tortura, lembrou-se de todas as dores extremas que já havia sentido. Cada cicatriz, cada ferimento, cada perda, tudo parecia insignificante em compara??o ao que estava sentindo agora, nada se comparava a isso. Era uma dor que transcendia o físico, uma agonia que parecia atingir sua própria essência.
“Sempre existe uma dor pior?”, se perguntou, ficando curiosa sobre qual seria o ápice do sofrimento. “Talvez uma vida tranquila seja só o come?o. Na hora de morrer, espero poder experimentar a "dor perfeita"“.
De repente, em meio a divaga??es que buscavam um sentido para tudo o que estava passando, algo ainda mais intenso come?ou a crescer em seu peito. Era como se uma roda de energia estivesse girando cada vez mais rápido, tentando destruir tudo em seu caminho. O cora??o pulsava loucamente, e ela sentia a pouca mana ainda n?o absorvida de suas últimas refei??es bater de frente com outra coisa dentro dela.
“Mana reversa! Mas que grande merda…”
A mana da Sombra, escura e densa, se chocou violentamente com a mana comum, que poderia ser descrita como pura e luminosa. A fus?o dessas energias criava uma turbulência que parecia estar prestes a rasgar seu corpo ao meio. Ana tentou usar sua própria for?a de vontade para controlar a fus?o, mas a sua consciência ia e voltava enquanto era destruída por dentro.
Finalmente, o choque dos opostos atingiu um ponto culminante. Ela n?o conseguia respirar, e sua pele come?ou a ficar mais pálida, quase translúcida, antes de voltar para um leve tom rosado. Sentia como se estivesse sendo transformada, cada célula de seu corpo sendo alterada pela fus?o das energias opostas.
Ana podia sentir sua carne se contorcendo, os músculos se contraindo de maneira involuntária. O calor era t?o intenso que a pele parecia estar derretendo. Em alguns momentos, a dor era t?o aguda que parecia que sua vis?o estava se fragmentando, como um espelho quebrado.
Finalmente, a exaust?o tomou conta. Sem for?as para continuar lutando, Ana desmaiou, seu corpo caiu pesado na grama úmida. As últimas sensa??es que teve foram de calor e frio se alternando enquanto sua consciência se apagava.
— Faz mais de um ano desde que nos vimos pela última vez, garota.
Ana olhou para a dire??o da voz, surpresa e confusa.
— Acho que preciso me desculpar pelo último encontro, talvez eu tenha sido meio… rude.
Ana n?o respondeu, apenas se alongou e deu um grande bocejo.
— Vir aqui é sempre t?o bom, quase faz compensar a dor. Essa branquid?o toda me renova.
— Vai realmente me ignorar? Aceite minhas desculpas!
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— Eu já te conhe?o há muito tempo, Gabriel. Você já falou muita merda pior ao longo dos anos, ent?o n?o se importe tanto.
O anjo a encarou, como se estivesse pensando o que fazer em seguida.
— Ent?o tá… bom, de qualquer forma eu tenho que dizer que me arrependo do que disse antes. Você ainda é uma falha, mas é um puta de uma falha! Você a devorou! — as palavras saíram como um grito estridente, seguidas por altas gargalhadas.
— O que isso muda? Já comi muita coisa estranha…
— Essa é a melhor parte, eu n?o sei! Nunca pensei em fazer um ser bizarro como você comer outras falhas que possuem mana reversa, mas acredito que será bom para seu crescimento.
— Sinto que simplesmente fodi meu corpo… — resmungou Ana, sentindo um arrepio ao lembrar da intensa dor.
— Um pouco, mas olhe pelo lado bom, é uma das poucas formas que podem fazer você ir além.
— Isso significa que vou abrir alguns selos?
— Você está realmente com pressa para se livrar de mim? — perguntou o anjo, com uma cara de tristeza claramente fingida.
— Vamos, só fala de uma vez, hoje n?o está sendo um dia bom…
— Certo, certo, de qualquer forma o tempo que temos está acabando. Você n?o vai abrir seus selos, seu corpo por enquanto é só uma bateria ambulante, n?o vai aguentar muito além do que aguentava. Mas posso te dar um caminho!
Sem esperar uma nova resposta da garota, o anjo estendeu suas duas m?os, e a vis?o de Ana foi preenchida por um grande clar?o. Uma série de imagens come?ou a se formar em sua mente, e fragmentos de lembran?as a muito perdidas retornaram de uma só vez.
Data: Provavelmente 15 de mar?o de 801, certo?
Nome do Experimento: Modifica??o Genética em Mamíferos
Objetivo: Utiliza??o de tecnologia emergente CRISPR para editar genes de pequenos mamíferos
Experimento 1: Coelho Branco
Modifica??o: Inser??o de genes de bioluminescência
Procedimento:
Extra??o de genes de bioluminescência de medusas.
Utiliza??o de CRISPR para inserir esses genes no DNA do coelho.
Resultado:
O coelho apresentou bioluminescência em condi??es de pouca luz. Apesar do sucesso, foi previsível e n?o trouxe a satisfa??o que eu esperava.
Data: 20 de abril de 801
Nome do Experimento: Transplante de Cabe?a em Roedores
Objetivo: Verificar a viabilidade de transplantes completos de órg?os vitais
Experimento 7: Dois Ratos
Modifica??o: Transplante de cabe?a entre os sujeitos
Procedimento:
Anestesia dos ratos.
Realiza??o de cirurgia para remover a cabe?a de um rato e transplantá-la para o corpo do outro.
Resultado:
O rato transplantado mostrou sinais de vida por alguns minutos, mas eventualmente morreu. A complexidade do procedimento e a rejei??o do órg?o levaram ao insucesso, mas o experimento revelou muito sobre a conex?o neural e vascular.
Data: 15 de junho de 802
Nome do Experimento: Regenera??o Acelerada de Tecidos
Objetivo: Estudar a capacidade de regenera??o em organismos geneticamente modificados
Experimento 11: Lagarto de Cauda Verde
Modifica??o: Inser??o de genes de regenera??o de axolotes
Procedimento:
Extra??o de genes de axolotes, conhecidos por suas capacidades regenerativas.
Edi??o do genoma do lagarto para incluir esses genes.
Resultado:
O lagarto mostrou uma capacidade ainda mais impressionante de regenerar membros amputados, mas com deformidades significativas. Os novos membros eram frequentemente desproporcionais e disfuncionais.
Data: 5 de agosto de 802
Nome do Experimento: Altera??o de Características Cognitivas em Mamíferos
Objetivo: Aumento da inteligência e habilidades cognitivas
Experimento 21: Cachorro Marrom
Modifica??o: Inser??o de genes relacionados à cogni??o avan?ada
Extra??o de genes de inteligência de corvos.
Edi??o do genoma do cachorro para incluir esses genes.
Resultado:
O cachorro mostrou sinais de cogni??o avan?ada, como a capacidade de resolver problemas complexos. Só um cachorro menos burro…
Data: 5 de mar?o de 803
Nome do Experimento: Infus?o de Tecidos de símio com DNA de Plantas
Objetivo: Estudar a viabilidade de hibridiza??o entre plantas e mamíferos
Experimento 39: Embri?o de macaco prego
Modifica??o: Inser??o de genes de fotossíntese de plantas
Procedimento:
Extra??o de genes responsáveis pela fotossíntese em plantas.
Infus?o desses genes em um embri?o símio utilizando CRISPR.
Resultado:
O embri?o mostrou sinais iniciais de capacidade fotossintética, mas n?o se desenvolveu além do estágio inicial. O experimento revelou um pouco mais do limites da hibridiza??o entre reinos biológicos distintos.
Data: 2 de setembro de 806
Nome do Experimento: Cria??o de Quimeras Genéticas
Objetivo: Combinar DNA de diferentes espécies para criar um organismo híbrido
Experimento 78: Embri?o de Cabra
Modifica??o: Inser??o de genes de aranhas para produ??o de seda
Procedimento:
Extra??o de genes de aranhas que produzem seda.
Inser??o desses genes no embri?o de cabra utilizando CRISPR.
Resultado:
A cabra nasceu com a capacidade de produzir seda a partir de suas glandulas mamárias. Apesar do sucesso inicial, o organismo híbrido sofreu de várias deformidades e problemas de saúde, morrendo após alguns meses.
Aqui, abandono as pesquisas, já n?o tem mais gra?a. O conhecimento e a previs?o dos resultados tornam os experimentos sem sentido.
Ana despertou com o lobo encostando o focinho em seu rosto, sua respira??o era quente e reconfortante. Sentia o estranho ardor dentro de si, mais fraco que antes, mas ainda presente, amea?ando sair de controle a todo instante. Cada inspira??o trazia um misto de alívio e dor.
Seu corpo inteiro parecia latejar, mas ao mesmo tempo sentia-se mais leve do que antes. Ela olhou para sua ferida, notando que uma grande cicatriz estava presente onde a carne voltou a crescer, como se fosse algo antigo que se recuperou mal. O mundo ao seu redor parecia mais nítido agora, cada detalhe das árvores e do terreno acidentado da floresta ganhando uma nova intensidade.
— Preciso de um laboratório — murmurou para si mesma, estabelecendo um objetivo claro. — Me pergunto como tudo vai funcionar agora que a mana existe.
Seus pensamentos voltaram aos experimentos macabros que realizara séculos atrás. A curiosidade mórbida que a levou a explorar os limites da ciência e da ética, a busca incessante por algo que preenchesse o vazio dentro dela. As memórias dos animais híbridos, dos transplantes grotescos e das quimeras genéticas vinham à tona, como um filme de horror projetado em sua mente.
Ana sentia que a mesma obsess?o come?ava a ressurgir. Mas dessa vez n?o era apenas a curiosidade que a movia, mas a necessidade de sobreviver, a necessidade de crescer, se transformar. De usar seu conhecimento para se tornar algo mais.
Enquanto se levantava, cada movimento exigia um esfor?o tremendo. O lobo ao seu lado parecia perceber sua dificuldade, encostando-se mais próximo, oferecendo um suporte silencioso. Ana acariciou a cabe?a da criatura, sentindo que a conex?o de mestre servo anterior foi substituída por algo novo, uma liga??o de dor compartilhada proveniente da solid?o em que se encontravam.
“Uma bateria ambulante, né?”
Ela podia sentir a mana ser parte de si pela primeira vez, mas a estranha energia apenas pulsava continuamente em seu cora??o, n?o havia fluxo ou qualquer benefício substancial aparente.
— Parece só uma porcaria inútil… Vamos, garoto — sussurrou ela, for?ando um sorriso enquanto se apoiava no lobo para se equilibrar. — Temos muito a fazer.
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