A única fonte de luz vinha de uma lamparina trêmula, projetando sombras alongadas no ch?o de madeira desgastada. O c?modo era pequeno, sem janelas, com paredes de pedra úmidas e um frio que se infiltrava nos ossos. A única mobília era uma mesa simples, manchada pelo tempo, e duas cadeiras.
Naquela sala abafada, Nwyn sentiu o peso da presen?a do homem à sua frente.
Ele n?o era um brutamontes. N?o precisava ser.
Vestia roupas escuras, bem cuidadas, ajustadas ao corpo magro. O rosto era anguloso, a barba curta bem aparada, e os cabelos escuros puxados para trás sem um único fio fora do lugar. Tudo nele passava a impress?o de controle, de precis?o. Mas eram os olhos que carregavam o verdadeiro perigo: frios, azul-acinzentados, analisando Nwyn com um interesse inquietante.
Ele estava sentado, relaxado, os cotovelos apoiados na mesa, os dedos entrela?ados diante do rosto.
Esperando.
Nwyn n?o se mexeu. Sentia os próprios músculos travados, o corpo ainda dolorido dos golpes que levara.
Por fim, o homem quebrou o silêncio.
— Feche a porta quando sair. — A ordem veio baixa, tranquila.
O guarda hesitou, mas obedeceu.
Agora, estavam apenas os dois.
O homem estudou Nwyn por mais alguns segundos. N?o perguntou seu nome, n?o fez introdu??es. Apenas inclinou levemente a cabe?a e disse:
— Meu colega está morto.
N?o foi uma pergunta. Nwyn manteve a respira??o sob controle.
— Sinto muito.
O homem piscou devagar, absorvendo a resposta.
— Sente? — Ele sorriu enquanto fitava a madeira, sem tirar os olhos de Nwyn. — E você viu algo? Quem matou meu homem?
A pergunta bateu com for?a, mas a voz permaneceu suave.
Nwyn n?o desviou o olhar.
— Eu n?o sei.
O homem franziu ligeiramente o cenho, como se estivesse intrigado.
— N?o sabe?
— N?o.
O interrogador inclinou-se para frente, o rosto entrando na zona de luz da lamparina.
— Mas você viu.
N?o foi uma pergunta.
O cora??o de Nwyn bateu mais forte.
— Eu estava caindo. Estava perdendo a consciência. Eu vi algo, mas... n?o sei quem era.
O homem ficou em silêncio por alguns segundos, observando.
— Interessante. Ent?o você viu algo.
O tom era neutro. Nem acreditava, nem desacreditava. Apenas processava.
E ent?o, sem mudar a voz, repetiu:
— Quem matou meu homem?
— Eu n?o sei.
— Estranho.
O silêncio voltou a se alongar.
O homem descruzou os dedos e apoiou uma m?o sobre a mesa, tamborilando levemente a ponta do indicador contra a madeira.
— Vou reformular. Você foi atacado.
— Sim.
— Por ele?
— Sim.
— Mas ele morreu.
— Sim.
— E você n?o sabe quem o matou.
— N?o.
— Nem viu nada?
— Eu vi... algo. Mas n?o sei o que ou quem.
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O tamborilar na mesa cessou. O interrogador inclinou a cabe?a.
— E se eu dissesse que alguém viu você lá, olhando para o corpo?
Nwyn n?o piscou.
— Eu já disse, eu estava lá. Mas ele já estava morto quando recobrei a consciência.
O homem deu um sorriso quase imperceptível.
— Hm. E se eu dissesse que esse mesmo alguém viu você segurando alguma coisa? Uma arma?
Nwyn sentiu um calafrio subir pela espinha.
O interrogador se inclinou um pouco mais, como um gato rondando uma presa hesitante.
— Quem matou meu homem?
O silêncio que se seguiu foi o mais pesado até agora.
A pergunta ficou suspensa no ar como um peso invisível, esmagador.
Nwyn sentiu o cora??o pulsar contra as costelas. Rápido demais. Alto demais. Ele queria controlá-lo, queria que o homem à sua frente n?o percebesse, mas sabia que era impossível.
O interrogador sorriu, devagar.
— Você matou o meu homem?
A voz n?o era acusatória. N?o era um grito. Era um convite.
Nwyn engoliu em seco.
Ele queria dizer "n?o" de imediato. Mas se dissesse rápido demais, pareceria falso. Se demorasse demais, pareceria que estava tentando inventar algo.
O garoto umedeceu os lábios rachados.
— Eu...
Sua própria voz o traiu. Fraca. Baixa demais.
O homem inclinou-se sobre a mesa.
— Fale mais alto.
O tom n?o era agressivo. Era apenas... exigente.
Nwyn fechou os punhos. — Eu n?o matei ninguém.
O interrogador estudou seu rosto por um momento. Depois, sorriu de novo.
— Interessante.
Ele se levantou e come?ou a caminhar ao redor da sala. As botas faziam um som seco contra o ch?o de pedra.
— Sabe, garoto... Eu já vi muitos como você. — Nwyn manteve o olhar fixo na mesa. — Pequenos ratos. Correndo pelos becos. Tentando sobreviver. — Os passos continuaram. Lentos. — Mas aqui está o problema com ratos... — O interrogador parou atrás dele. — Quando encurralados... eles mordem. — Nwyn sentiu um arrepio subir por sua espinha. A m?o do homem pousou em seu ombro. O toque foi leve, mas o peso da amea?a estava ali. — Você sabe o que acontece com quem mente pra mim?
O garoto n?o respondeu. O aperto no ombro ficou um pouco mais firme.
— A gente descobre. Sempre. — O silêncio se prolongou.
O interrogador suspirou e afastou-se, voltando a se sentar. Ele inclinou a cabe?a para o lado, observando-o.
— Vamos brincar de um jogo? — Ele tamborilou os dedos contra a madeira da mesa. — Eu digo o que eu sei... e você me diz se estou errado.
Nwyn respirou fundo.
O homem ergueu um dedo.
— Um. Você foi visto nos becos, coberto de sangue. — Nwyn manteve-se imóvel. O segundo dedo subiu. — Dois. Meu homem está morto. A cabe?a esmagada. — Os olhos de Nwyn tremeram, apenas por um instante. Mas foi suficiente. O interrogador sorriu. — Três. Você fugiu quando te encontramos.
Dessa vez, Nwyn cerrou os dentes.
— Eu n?o matei ninguém.
O homem inclinou-se para frente.
— Ent?o por que correu? — A pergunta veio rápida. Direta.
Nwyn abriu a boca, mas nada saiu.
O interrogador deu um sorriso satisfeito.
— Está vendo? Você correu porque sabia que estava fodido.
O garoto respirou fundo.
— Eu corri porque... — As palavras ficaram presas na garganta. Ele sentia o olhar do homem o perfurando. — O interrogador esperou. Como um ca?ador observando sua presa se debater. — Porque sabia que ninguém ia me ouvir.
O sorriso do homem n?o sumiu.
— Inteligente. — Ele se encostou na cadeira, cruzando os bra?os. — Mas ainda assim... Você n?o disse que era inocente.
Silêncio.
O garoto sentiu um nó se formar no est?mago.
O homem se inclinou um pouco para frente.
— Ent?o eu pergunto de novo... — A voz dele baixou, tornando-se quase um sussurro. — Você matou o meu homem?
Nwyn sentiu o ar na sala se tornar sufocante.
O medo subia por sua garganta como um gosto metálico.
— N?o.
O interrogador deixou o silêncio pairar um pouco mais. Apenas observava Nwyn, os dedos batendo levemente contra a madeira da mesa. Ent?o, ele soltou um suspiro longo, exagerado.
— Eu acredito em você.
As palavras flutuaram no ar, estranhamente leves, depois de tanto peso na conversa. Mas Nwyn n?o se sentiu aliviado. O olhar do homem ainda era cortante.
— Mas aqui está o meu problema, garoto. — Ele entrela?ou os dedos e apoiou os cotovelos na mesa, inclinando-se para frente. — Eu tenho duas op??es.
Nwyn sentiu um nó no est?mago antes mesmo de ouvir o resto.
— Eu posso sair daqui com algo útil. Algo que me ajude a encontrar quem fez isso com o meu homem. — O interrogador ergueu um dedo. — Ou... — O segundo dedo subiu lentamente. — Posso sair daqui com a sua cabe?a e contar a todos que encontrei o assassino.
Nwyn sentiu um frio gelado subir pela espinha.
— Eu... — Ele se for?ou a engolir seco, tentando pensar, tentando juntar as memórias embaralhadas em algo que pudesse servir. — Eu n?o vi quem fez isso.
O interrogador n?o disse nada. Apenas esperou.
O garoto apertou os punhos, sentindo o peso do olhar do homem sobre ele. A verdade era que quase tudo estava em branco, mas havia uma coisa. Uma única coisa.
— Eu preciso de algo, já falei isso... um fio de cabelo, uma tatuagem, um rumo, um...
— Cheiro.
O interrogador ergueu uma sobrancelha.
— Cheiro?
Nwyn assentiu, lutando contra o tremor em sua voz.
— Tabaco e canela. Quando acordei, quando o corpo caiu... esse cheiro estava ali.
O homem ficou imóvel por um momento, como se estivesse processando as palavras. Ent?o, lentamente, um sorriso surgiu em seus lábios.
— Tabaco e canela... — Ele repetiu, como se provasse as palavras na língua. — Ele se inclinou para trás na cadeira, estalando o pesco?o, satisfeito. — Está vendo? Você pode ser útil.
Nwyn apenas respirou fundo, mantendo a express?o o mais neutra possível.
O interrogador se levantou, arrumando o colarinho com gestos lentos.
— Vamos ficar de olho em você. — Ele lan?ou um olhar quase divertido. — Muito perto, entendeu?
Nwyn n?o respondeu.
O homem caminhou até a porta, puxando-a sem pressa.
— Agora, pode ir...
Ele girou a ma?aneta e abriu a porta. Mas, no instante seguinte, seu corpo ficou tenso.
Do outro lado da entrada, um homem estava parado.
Era jovem. Alto. Musculoso. Os cabelos loiros caíam levemente desalinhados sobre a testa. Os olhos castanhos estavam afiados, avaliando a sala com um olhar que n?o combinava com sua idade.
O interrogador recuperou o controle rapidamente, esbo?ando um sorriso fino.
— Que honra ver o jovem herdeiro em um lugar t?o sujo.
Seu tom era respeitoso, mas havia algo por baixo, uma tens?o sutil.
Nwyn ainda n?o conseguia ver quem estava na porta.
O interrogador passou pela figura sem cerim?nia, parando apenas por um instante ao lado dele.
— Entregue uma mensagem à sua tia. — Sua voz abaixou ligeiramente, mas Nwyn ainda conseguiu ouvir. — Meu chefe precisa marcar uma reuni?o com ela... — O silêncio se prolongou, e ent?o, completou. — E ele espera que você participe também. — Um sorriso quase invisível surgiu no rosto do interrogador. — Adeus Nwyn e até logo, jovem Garlei.
O sangue de Nwyn gelou.
Ele ergueu os olhos no momento em que Garlei deu um passo para dentro da sala.
O amigo o viu.
Os olhos castanhos de Garlei se arregalaram em surpresa.
Nwyn abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.