O silêncio pairava sobre o pátio de pedra diante do mausoléu. O velório de Federico De Luca e de sua família reunia toda a nata silenciosa do submundo de Crownia. Rostos ocultos por ternos caros, olhos frios, m?os escondidas em bolsos. Nenhum choro, apenas tens?o contida.
Sebastian permanecia sob o teto do mausoléu, o olhar fixo no caix?o fechado. Ao seu lado, Sena, diretora executiva do grupo Clover, observava tudo com os bra?os cruzados. Ele acendeu um cigarro e tragou lentamente.
— A viúva parece tranquila demais.
Sebastian n?o respondeu de imediato.
— N?o há o que falar.
Sena assentiu, sem emo??o.
— Crow provavelmente saberia se fosse o caso.
Ela estendeu a m?o com naturalidade.
— Me passa um.
Sebastian entregou-lhe o ma?o sem dizer nada, apenas com um breve aceno de cabe?a. Sena pegou um cigarro e o acendeu com o isqueiro dele. Ambos fumaram em silêncio por alguns segundos, observando o túmulo recém-fechado.
Outros membros da fac??o passaram por eles, oferecendo cumprimentos silenciosos. Alguns pareciam perdidos. Outros, apenas com pressa de escolher um novo lado.
— E os negócios? — Sebastian perguntou, ainda com os olhos fixos no mármore.
— Transportes marítimos, pesca, indústrias de pescados... esses continuam iguais. Mas o contrabando e as drogas... — Sena baixou o tom, hesitante. — Esses v?o ser abandonados, cedo ou tarde.
Ela tragou fundo, os olhos fixos em nada por um instante, antes de continuar:
— Me pergunto o quanto os outros reis v?o brigar por esses mercados. O cheiro de sangue está forte demais.
Ent?o, um corvo negro desceu dos céus e pousou no ombro de Sebastian.
Ele virou levemente o rosto, mas n?o o afastou. Sena o observou com a sobrancelha arqueada.
— Eles n?o costumam vir sem motivo.
Ela tragou o cigarro mais uma vez e lan?ou um olhar lateral para Sebastian.
— E qual é a novidade?
— Crow ainda está procurando quem herdou a autoridade.
Sena franziu ligeiramente os lábios, pensativa.
— Hm. Seria bom saber logo. Facilitaria planejar o que fazer com meu futuro.
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— E você? — Continuou Sena. — O que pretende fazer?
— Esperar o contrato quebrar. Talvez sumir do mapa. Já cumpri minha parte nesse jogo.
Sebastian soltou a fuma?a e, após um momento de silêncio, perguntou:
— O que vai fazer enquanto n?o descobre quem herdou a autoridade?
Sena deu uma risada seca, soltando a fuma?a devagar, como se saboreasse a ironia da própria situa??o.
— Eu tenho feito muito dinheiro pro grupo. Mesmo que a viúva me demita, propostas n?o v?o faltar.
Sebastian virou-se ligeiramente para ela.
— E os quanto aos reis?
Sena sorriu com ironia, jogando o resto do cigarro no ch?o e esmagando-o com a ponta do salto.
— N?o estou precisando de tanto dinheiro assim.
-
Mais tarde naquele mesmo dia, o Royal Café borbulhava com conversas apressadas de estudantes e jovens profissionais. O cheiro de café e p?o doce pairava no ar enquanto Sylvia observava a rua pela vitrine, girando distraidamente a xícara entre os dedos.
A bebida já estava fria quando Camila saiu do vestiário, exausta, mas sorrindo.
— Esperou muito? — ela perguntou, ajeitando o avental.
— Tempo suficiente pra me fazer cogitar largar a faculdade e pedir emprego aqui mesmo — respondeu Sylvia com um sorriso enviesado.
Camila soltou uma risada curta enquanto pegava a bolsa. As duas saíram do café e mergulharam na noite viva da cidade.
As cal?adas estavam cheias, o transito lento e as fachadas dos prédios cobertas por letreiros coloridos. Anúncios animados piscavam por todos os lados: tecnologia de ponta, cosméticos futuristas, apostas online, promo??es de bebidas e música eletr?nica. Um mar de luzes vermelhas, azuis e violetas refletia no asfalto molhado, criando uma atmosfera vibrante e sufocante ao mesmo tempo.
Um tel?o gigante dominava a esquina, exibindo o comercial de uma marca de luxo. A modelo e hostess Sasha surgia envolta em luz dourada, os cabelos loiros soltos, sorrindo com encanto enquanto caminhava por uma cobertura luxuosa com vista panoramica da cidade. Usava um vestido cintilante que se ajustava perfeitamente ao corpo, irradiando confian?a e glamour. Ao seu redor, figuras importantes em trajes formais brindavam com champanhe, criando um cenário de exclusividade e poder. No final do anúncio, Sasha encarava a camera ainda sorrindo, enquanto a frase "O mundo pertence a quem sabe jogar" aparecia na tela.
— Ela é linda... — comentou Camila, encantada. — E tem uma elegancia absurda.
— Aposto que ela sabe exatamente com quem sorrir nos bastidores — retrucou Sylvia, sem tirar os olhos do tel?o.
Camila a olhou de lado, arqueando a sobrancelha.
— Invejosa?
— De gente fútil? Nunca. Mas tem gente que joga muito bem com as cartas que tem.
Riram, e seguiram até um beco movimentado, repleto de pequenos restaurantes com balc?es estreitos, barracas de espetinho e bares apertados, onde o cheiro de óleo quente e carne grelhada se misturava ao som de conversas e risadas. Sentaram-se no balc?o de um dos pequenos restaurantes e pediram dois ramens. Ao fundo, uma televis?o velha passava o noticiário local.
"...acidente aéreo vitima o empresário Federico De Luca, dono do Grupo Clover. As causas da queda ainda est?o sendo investigadas..."
Camila inclinou a cabe?a para a tela, os olhos semicerrados.
— Foi muito repentino, né?
— Aposto que organizar o caos nos negócios dele vai ser um inferno — disse Sylvia, pegando os hashis.
Sylvia franziu a testa, sem saber exatamente por quê. Aquela notícia a incomodava mais do que fazia sentido.
— Dizem que ele tinha se casado com uma garota quase da nossa idade.
— Pensar em casar com um homem quarenta anos mais velho só por dinheiro? Dá até náusea.
Sylvia fez uma careta e levou a primeira por??o à boca com os hashis. Mas ent?o parou de mastigar. Um arrepio percorreu sua nuca.
Virou-se lentamente para a entrada do beco.
Lá fora, na cal?ada, um único corvo a observava em silêncio. Quando seus olhos se encontraram, ele al?ou voo lentamente, desaparecendo na noite iluminada.
— Que foi? — perguntou Camila, notando o olhar fixo da amiga.
— Nada — disse Sylvia, voltando a encarar o ramen. — Só impress?o.
-
Na madrugada silenciosa de Crownia, o parquinho infantil parecia flutuar fora do tempo. Os brinquedos vazios rangiam suavemente ao vento. Nenhuma crian?a. Nenhuma luz acesa nas janelas. Apenas um homem de terno, solitário, exalando fuma?a e luto.
Sebastian ocupava um banco de madeira gasta, o terno amarrotado do velório ainda no corpo. O cigarro entre os dedos queimava devagar. A fuma?a subia lenta, se dissipando no ar frio.
— Quanto tempo — disse uma voz atrás dele, saindo da sombra das árvores.
Sebastian virou o rosto, reconhecendo a silhueta magra que se aproximava com passos calmos.
— Você cresceu, Mirio.
Mirio sorriu, sem pressa.
— E o velho morreu. E agora?
Sebastian tragou fundo antes de responder:
— Agora a fac??o vai desmoronar. Os outros reis v?o cair em cima do espólio.
Mirio chutou uma pedrinha com a ponta do sapato, observando-a rolar até parar.
— E a autoridade?
Sebastian tragou mais uma vez, o olhar perdido no ch?o de areia.
— N?o vale a pena falar sobre isso. — Jogou a bituca no ch?o e a apagou com o calcanhar.
Mirio o observou em silêncio por um momento, como se ponderasse o peso daquela resposta.
— Já sabe sobre a bastarda?
Sebastian permaneceu calado, encarando o escuro à sua frente.
— E se ela puder reconstruir a fac??o de Paus?
Sebastian o olhou nos olhos.
— E você? O que ganha com isso?
Mirio deu um meio sorriso.
— Eu me viro. Mas se ela reconstruir a fac??o, quem sabe me sobra um lugar à sombra — bem pago, pouca responsabilidade.