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Capítulo 97 - Estrada para a Soberania

  Ana estava absorta na tarefa diante dela, os olhos concentrados no corpo do bestial. Os instrumentos cirúrgicos, embora rudimentares comparados ao que ela já havia utilizado em outras ocasi?es, eram manipulados com precis?o enquanto analisava o sangue através de um pequeno microscópio, sua mente girando com teorias e hipóteses sobre o que fazia aquele ser t?o diferente dos humanos comuns.

  — Maldita falta de equipamentos... — murmurou, sentindo a irrita??o crescer. Sem ter a disposi??o as ferramentas mais avan?adas para come?ar seus experimentos, só podia come?ar a estudar o que estava acontecendo. E isso, por ora, teria que ser o suficiente.

  Sem se deixar abalar, come?ou a cantarolar uma melodia animada. N?o se recordava da letra, mas o ritmo popular do mundo antigo ainda voltava a seus pensamentos de vez em quando. A música preenchia o ambiente pesado, trazendo uma sensa??o de serenidade que contrastava com o trabalho intenso que ela realizava. Em meio aos sons, ela olhou para Lucas e sorriu de maneira quase maternal.

  Com habilidade, Ana utilizou um afastador Finochietto para abrir a cavidade torácica da cobaia, expondo seus órg?os internos. Ela inclinou a cabe?a, analisando o que via com um olhar clínico, percebendo que a transforma??o n?o era t?o drástica quanto aparentava ser.

  — Bem, os órg?os ainda s?o semelhantes... só que maiores. — comentou consigo mesma, tamborilando os dedos na mesa enquanto pensava nas implica??es daquela descoberta. — Como um ser humano p?de se transformar em algo t?o... diferente? Talvez esteja mais ligada à adapta??o física do que à evolu??o biológica completa…

  Sua mente fervilhava com perguntas, mas sabia que precisava de mais informa??es. Virou-se para os outros bestiais na cela, seus olhos fixando-se em uma mulher que estava visivelmente abalada. Parecia ser a parceira de Lucas, e estava chorando silenciosamente enquanto observava o procedimento com um misto de medo e desespero.

  — Como foi a transforma??o? — a pergunta saiu de forma direta, como se estivesse interrogando um paciente.

  A mulher, ainda solu?ando, levou algum tempo para responder. Sua voz estava trêmula, carregada de medo e angústia.

  — Nós... nós simplesmente come?amos a passar fome. Estávamos na floresta, a comida escassa e os predadores por perto nos obrigavam a comer carne crua, para evitar acender fogueiras e chamar aten??o. Um dia, um de nós percebeu que podia sentir o cheiro de um predador antes que ele se aproximasse. Conseguimos nos afastar a tempo. Ficamos surpresos... mas logo, mais de nós come?amos a perceber essas... mudan?as.

  Ana inclinou-se um pouco mais, ouvindo atentamente cada palavra, enquanto continuava seu trabalho com Lucas.

  — Primeiro, nossas unhas cresceram, ficaram mais fortes e afiadas. Sentíamos dores nos ossos... como se estivessem se alongando à for?a. Nossos sentidos ficaram mais agu?ados... o sangue parecia mais espesso. Mas... perdíamos a racionalidade com facilidade. Alguns de nós podem manter a mente intacta ao se concentrar, mas outros... — A mulher engasgou nas palavras, como se estivesse revivendo os momentos mais terríveis de sua vida.

  Ana assentiu, compreendendo o quadro que a mulher pintava. Havia uma semelhan?a inquietante com seu próprio estado quando dominava a mana reversa. A perda de controle, a intensifica??o dos sentidos... bom, n?o era t?o diferente.

  Sem prolongar a análise, Ana come?ou a retirar os instrumentos do peito de Lucas, após coletar pequenas amostras de sua carne. Em seguida, pegou vários frascos e encheu-os com o sangue espesso do bestial, observando a viscosidade e a cor com interesse científico. Quando terminou, costurou as feridas com a maestria de quem já fez isso inúmeras vezes.

  — Em alguns dias, vou libertar todos vocês — disse ela, quase casualmente, enquanto finalizava o processo.

  Os bestiais na cela trocaram olhares confusos, sem saber como reagir.

  — Por que... por que vai… libertar? Pensei que… seríamos usados em testes.... — com o nervosismo, as palavras da mulher voltaram a ficar cortadas, deixando clara sua hesita??o em acreditar.

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  Ana levantou os olhos da prancheta onde fazia anota??es, sua express?o mostrando uma leve impaciência.

  — Eu disse claramente que era para matar apenas quem n?o se rendesse, certo? Eu mantenho minha palavra! Bem, quase sempre. Além de que n?o faz sentido desperdi?ar recursos mantendo vocês presos por agora.

  Com um movimento rápido, Ana empurrou a mesa de cirurgia para dentro da cela.

  — Cuidem dele até que possa voltar a andar. N?o deve demorar, seu corpo é bem resistente

  Os bestiais ainda estavam desconfiados, mas Ana apenas deu de ombros.

  — Vamos, n?o é t?o estranho assim... enquanto n?o consigo os equipamentos adequados, n?o faz sentido acabar com espécimes sem obter informa??es completas, nem sei quantos outros de vocês tem lá fora, podem sair e se reproduzir para eu ter o suficiente mais tarde.

  A mercenária colocou as m?os na cintura, satisfeita com a própria resposta, mas ent?o notou que os olhares permaneciam inalterados.

  — Certo, certo! Vocês realmente querem a verdade? Recentemente disseram que sou… gentil!

  Ana come?ou a rir assim que a última palavra escapou de seus lábios, primeiro de forma contida, depois se permitindo gargalhar alto, o som ecoando pelas paredes do laboratório.

  — N?o vou quebrar as expectativas de todos, hoje decidi por mim mesma que eu realmente seria gentil — disse ela, ainda rindo, sua voz carregada de uma ironia cortante. Ela se aproximou da cela, seus olhos fixos nos bestiais de forma sombria. — Mas n?o pensem em retalia??o. Se tentarem alguma coisa, as próximas amostras n?o ter?o tanta sorte.

  Ela voltou a cantarolar, dessa vez mais alto, uma melodia que parecia à beira da loucura enquanto seus pés a levavam em dire??o às escadas. Os prisioneiros, ainda quietos, a observavam com perplexidade, tentando processar o que havia acabado de acontecer. Todos sabiam que, nesta noite, teriam pesadelos com aquela estranha máscara.

  Ana subiu as escadas que levavam à sala principal com passos determinados, o som das suas botas ressoando pelas paredes de pedra fria. Ao chegar ao topo, ela avistou Gabriel próximo a uma grande janela que dava vista para a cidade em ruínas. A luz do sol iluminava o contorno de seu corpo, mas seu rosto estava oculto pelo elegante objeto branco, revelando apenas uma sombra de seus pensamentos.

  — Ei, preciso de um resumo da situa??o. Como est?o as coisas?

  Gabriel se virou para ela, curvando-se levemente e em seguida cruzando os bra?os com um gesto calculado. Ana notou o leve endurecimento na linha de seus ombros, um sinal sutil da press?o que também recaía sobre ele, era evidente que ele havia se preparado para essa conversa, como alguém que organiza mentalmente as pe?as de um quebra-cabe?a antes de colocá-las no lugar.

  — Estamos progredindo, mas o ritmo é lento. Com a m?o de obra disponível, ainda precisamos de cerca de dois a três meses para remover todos os escombros e preparar o terreno adequadamente.

  Ana n?o demonstrou surpresa. Dois meses era um prazo mais do que razoável, dadas as circunstancias e os recursos limitados com os quais estavam trabalhando. Ela sabia que for?ar uma acelera??o sem os meios adequados poderia resultar em erros custosos. Seu olhar se suavizou brevemente, mas logo voltou à sua express?o resoluta.

  — Entendo — comentou, e logo fez uma breve pausa, considerando a próxima quest?o que já lhe pesava na mente. — E sobre os povos vizinhos? O que você pode me dizer?

  Gabriel fez um leve gesto com a m?o, como quem folheia mentalmente um relatório.

  — Resumidamente, temos conhecimento de vários grupos ao redor, alguns mais organizados do que outros. Normalmente s?o neutros... mas nenhum nos vê com bons olhos.

  Ana franziu o cenho, ponderando sobre as informa??es.

  — Nenhum aliado ou inimigo declarado? — ela perguntou, buscando clareza.

  — N?o, a maioria simplesmente ignora nossa existência. Para os demais, somos mais temidos do que aceitos ou respeitados.

  — Bom, isso pode funcionar a nosso favor ou contra nós, dependendo de como jogarmos nossas cartas.

  — Creio que, com a reconstru??o da cidade, muitos passaram a nos ver como uma amea?a em potencial, minha senhora. Talvez a princípio sejamos algo que demorem para decidir como lidar, mas é uma quest?o de tempo até que as tens?es aumentem — Gabriel respondeu, o tom de sua voz carregando uma preocupa??o velada.

  Ana assentiu lentamente. A situa??o era instável, mas ela sabia que essa instabilidade podia ser usada a seu favor se lidasse corretamente com isso. A confian?a n?o era algo facilmente conquistado, mas o medo era uma ferramenta poderosa que, quando bem manejada, poderia manter seus vizinhos à distancia enquanto ela consolidava seu poder.

  Após um breve silêncio, a mercenária se virou para um dos mascarados que estava de guarda na entrada da sala. Sua postura era rígida, quase militar, como se estivesse esperando qualquer comando para entrar em a??o, mas sua máscara sorridente foi vista muitas vezes por Ana nos últimos dias.

  — Você, chame os membros do Puni??o Divina. Além disso, quero que convoque também qualquer cidad?o que se destaque entre os habitantes — Ela fez uma pausa, sua voz carregando um tom decisivo. — Está na hora de organizar as coisas.

  Com um aceno rápido, o mascarado desapareceu pela porta em um movimento fluido, se retirando para cumprir as ordens. Ana o observou por um momento antes de voltar sua aten??o para o anjo de pedra, que estava claramente aguardando suas próximas instru??es.

  — No momento, aqui é o único lugar que posso realmente me sentir livre.

  Ana se aproximou da janela ao lado dele e cuidadosamente removeu sua máscara pelos chifres, observando a cidade destruída abaixo dela. A vis?o dos trabalhadores se movendo como formigas despertou nela um misto de empatia e frieza. Havia muito a ser feito, mas ela sabia que poderia transformar aquilo em algo formidável.

  — Quero que isso funcione, Gabriel, mas o que preciso n?o é subserviência cega. Preciso de conselheiros capazes de prever cada movimento, calcular cada possibilidade e discutirem comigo quando eu tomar decis?es ruins. Todos aqui têm uma fun??o a cumprir, e vamos garantir que saibam disso.

  A figura alada inclinou a cabe?a em concordancia. Estava claro que sua rainha n?o apenas planejava sobreviver naquela nova realidade, mas moldá-la de acordo com sua vontade, e isso o animava de forma imensurável.

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