O sutil tremor no solo trouxe uma sensa??o de pavor que se espalhou rapidamente entre os habitantes da aldeia. O som ainda n?o era audível, indicando que a amea?a estava a certa distancia, mas o fato de sentir a vibra??o antes de ouvir qualquer ruído era profundamente perturbador.
— Estamos ficando sem tempo. Terminem de se equipar e dirijam-se a Samuel para obter suas posi??es — ordenou Ana, sua voz cortando a ansiedade crescente.
Ela caminhou até a torre de vigia para entender melhor o que estava acontecendo. Subiu rapidamente, os passos ecoando nas escadas de madeira, chegando em instantes no topo, onde podia ter uma vis?o do horizonte, mesmo em meio a escurid?o do subsolo.
— Estamos fodidos… — o topo das árvores chacoalhava a poucos quil?metros de distancia. O problema estava no fato de que n?o era apenas de uma dire??o. N?o importa para onde olhasse, tudo se movia. Estavam cercados.
Foi ent?o que ela viu no canto de sua vis?o figuras emergindo lentamente da escurid?o próxima ao port?o principal. Seus movimentos eram erráticos, quase cambaleantes, e uma sensa??o de desconforto crescia dentro dela. Algo estava terrivelmente errado.
— Os batedores voltaram! — um dos guardas gritou o anúncio para os demais, mas todos foram parados pela intensa voz de Ana.
— N?o abram os port?es! — com um salto ágil, a ferreira pulou da torre diretamente para a muralha, uma fa?anha que sempre quisera experimentar.
"Deveria fazer isso mais vezes," pensou, enquanto aterrissava suavemente com seus cabelos voando com o vento.
Da muralha, os vultos come?aram a tomar forma. As figuras davam passos de maneira estranha e descoordenada. Eles usavam roupas de alde?es, mas estavam mal colocadas, como se fossem fantasias grotescas. Conforme se aproximavam, uma rara express?o de nojo come?ou a se desenhar no rosto de Ana.
— O-oi... amigo… — a voz era grossa e mal formada, arranhando os ouvidos de quem a ouvia.
Os guardas ficaram aterrorizados, incapazes de processar a situa??o, e Ana sentiu um sutil frio na espinha ao reconhecer o rosto do batedor que havia enviado mais cedo para vigiar a regi?o. Ele estava morto, e sua pele agora adornava o rosto da criatura.
“Mas que porra é essa”, a rainha mercenária n?o era uma expert no novo mundo, mas nunca ouvira falar de monstros capazes de falar.
Ainda assim, como se contrariando o senso comum, cinco seres humanóides, com peles humanas esticadas e presas sobre seus rostos de maneira macabra, balbuciavam frases desconexas em frente aos port?es.
— Amigos… venham… brincar…
— Bom… dia… amigo…
— Eu… humano… eu… amigo… seu…
Ana, sem mais paciência, gritou para os guardas enquanto se dirigia para as escadas a passos largos.
— Matem eles agora!
O som de uma dezena de lan?as sendo jogadas, sem hesita??o, foi ouvido às suas costas enquanto ela corria em dire??o aos líderes da aldeia para discutir o que havia visto.
No centro do povoado, Samuel e Ant?nio ainda organizavam as coisas. A tens?o no ar era palpável, e os rostos refletiam medo e determina??o.
— O que aconteceu? — perguntou Ant?nio, ao ver Ana se aproximando.
Ana respirou fundo, refletindo sobre o que viu.
— Se espalharam ao redor da aldeia, estamos cercados.
— Cercados? S?o só monstros, devem só ter se dividido em grupos menores conforme migravam — Samuel estreitou os olhos, tentando absorver a informa??o.
— N?o, parece que criaram algum tipo de inteligência. Pode parecer uma estratégia ridícula, mas há criaturas lá fora usando as peles dos nossos batedores como “disfarce”. Eles falam.
— Isso n?o é possível…
— N?o importa se é possível ou n?o — cortou Ana. — V?o chegar a qualquer momento, preciso que avisem a todos para n?o os tratarem como monstros normais.
— Isso... — come?ou Ant?nio, mas foi interrompido por um tremor mais forte que os anteriores.
O som distante de passos pesados come?ou a chegar aos ouvidos de todos, e o farfalhar da grama sendo pisoteada criou um inc?modo ruído ao fundo. Ana apertou o cabo de seu martelo de ferreira, transformado em uma ma?a improvisada com uma estranha capa de espinhos ao redor. A arma pesada e mortal n?o combinava com a pequena estatura de sua portadora.
As criaturas come?aram a emergir da escurid?o, e os alde?es, armados e preparados, tremiam enquanto encaravam a horda de monstros. Havia uma grande mistura de humanóides semelhantes a macacos, monstros parecidos com orcs dos contos, alguns pequenos e amarelados, e vários outros com características grotescas. Em meio a multid?o se viam também seres que levavam feras em coleiras, enquanto outros usavam as mesmas máscaras humanas vistas anteriormente, criando uma vis?o aterradora.
O exército se posicionou ao redor de todo o local, parando por um instante e encarando os habitantes. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, quebrado apenas pelos murmúrios incessantes da palavra “amigo” vindos de todos os lados, criando uma cacofonia perturbadora.
— Eu n?o quero morrer… — um jovem guarda, incapaz de suportar a press?o, disparou uma flecha contra um monstro que se aproximava dos muros.
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O grito de dor da criatura quebrou o estranho impasse, e por um momento, os outros monstros ficaram imóveis, observando a cena. Ent?o, de repente, rugiram em uníssono e correram para as muralhas com fúria descontrolada.
O intenso choque contra a madeira fez com que cedesse aos poucos, e, por mais que matassem as criaturas, parecia que a horda n?o tinha fim. Os monstros mais altos eram quase da mesma altura das muralhas e tentavam agarrar os guardas, esticando suas grandes m?os, enquanto os menores os escalavam, saltando diretamente para o topo. Finalmente, com um grande estrondo, parte da muralha foi rompida, e os invasores se jogaram pela passagem como loucos.
“Eles n?o tinham chance desde o início”, pensou Ana. olhando o caos que se desdobrou nestes poucos minutos de combate.
Alguns alde?es mais corajosos gritavam ordens, mas a grande maioria simplesmente morria nas garras das criaturas, sem muita resistência. Manipuladores lan?avam sua fraca magia enquanto as laminas perfuravam e cortavam a dura carne sem parar, suas runas brilhando intensamente enquanto seus portadores davam tudo de si, mas n?o era suficiente. Seja em for?a ou em quantidade, os alde?es eram inferiores.
Alguns perderam as for?as nas pernas e desistiram, caindo ajoelhados, e os monstros arrancavam seus rostos nos mesmos instantes em que os matavam, criando um espetáculo macabro que logo fez um alto choro substituir os ferozes e esperan?osos gritos de antes.
“Tudo sempre acaba assim, tudo sempre dá errado onde quer que eu vá. Maldito mundo de merda. Malditos monstros. Maldita mana”
As m?os de Ana n?o paravam enquanto refletia sobre seu passado, com sua pesada arma esmagando cranios de qualquer criatura que se aproximasse.
— Eu… humano, oi amigo… — em meio a seus devaneios, uma voz chegou de suas costas. Um monstro mascarado, grande como um caminh?o, atacou com um grande peda?o de tronco, mas a garota desviou com um leve passo para trás.
— Se você é humano, amigo, por que n?o está enfrentando os monstros junto aos alde?es? — enquanto preparava seu contra-ataque, ela murmurou em tom de deboche, irritada por estar perdendo o lugar onde viveu nos últimos meses.
Para sua surpresa, o monstro parou os movimentos, e ent?o a encarou com a cabe?a levemente inclinada, confuso.
— Eu... humano… eu… lutar contra monstros.
Em um movimento repentino, ele se virou e atacou um orc próximo, destruindo o forte corpo esverdeado.
— Você também vai ficar assim se absorver mais mana? — perguntou descontraidamente Ana, rindo do ridículo que acontecia à sua frente, enquanto olhava para o companheiro canino parado em guarda ao seu lado.
O lobo respondeu a pergunta ao olhar para ela inocentemente, sem realmente entender.
— Bicho burro — murmurou Ana, voltando a observar a cena ao redor.
Tudo estava se tornando um caos. O monstro continuava a gritar que era humano e a matar seus companheiros, até que em certo momento uma grande pedra afiada foi jogada em sua nuca, fazendo-o cair morto em uma po?a de sangue. O pequeno ser amarelo que o havia atacado pegou a máscara de pele com cuidado. Olhou para Ana por um instante, como se pensasse no que fazer, e logo come?ou a gritar que era humano e atacar os outros, assim como o anterior.
Sem conseguir resistir, Ana come?ou a gargalhar. Era impensável que a situa??o tomasse esse rumo, mas estava acontecendo diante de seus olhos. Cada vez mais monstros come?aram a lutar entre si, divididos entre os “n?o humanos” e os “supostos humanos”, tornando tudo uma bagun?a. Alguns alde?es aproveitaram o momento para fugir, e ela notou Lúcia coberta de sangue entre estes poucos que escapavam, chorando, mas aparentemente bem.
— Vamos, garoto, esse lugar já n?o é mais nossa casa.
Com um aceno silencioso de despedida para a aldeia, ela se preparou para montar no lobo, quando inesperadamente uma criatura maior que as outras surgiu à sua frente.
Era uma vis?o aterradora: uma massa preta de músculos e penas, com olhos vermelhos brilhando de ódio. O gigante corvo destacava-se em meio aos outros, e assim como os demais, usava peda?os de pano como roupas, mas seu olhar era mais inteligente que o que foi visto até agora.
— Você... estragou meu exército... que demorei tanto para juntar... você é inimiga… — as palavras saiam estranhas, quase erradas, mas entendíveis. O simples fato de conseguir formar frases em sua voz rouca deixou Ana surpresa.
— Você também acha que é humano? — perguntou ela com um tom de desafio e ironia, seus olhos fixos na criatura.
O corvo apenas grasnou e se lan?ou em sua dire??o, sem responder. A garota esquivou para o lado, sentindo o vento das garras passando perigosamente perto. Com um contra-ataque poderoso, ela girou seu martelo e desferiu um golpe no flanco do animal alado. A criatura grasnou novamente em dor, mas o ferimento parecia superficial, incapaz de deter sua fúria.
Após se recuperar rapidamente, ele atacou novamente, suas asas batendo com for?a enquanto tentava agarrá-la. Ana bloqueou o ataque com o cabo do martelo, sentindo o impacto reverberar pelo corpo. Ela empurrou a criatura para trás e desferiu outro golpe, mirando a cabe?a do monstro. O corvo esquivou-se com agilidade surpreendente para seu tamanho e contra-atacou com um golpe de asa, acertando Ana no ombro e fazendo-a cambalear.
Aproveitando a quase queda, Ana se abaixou e girou o martelo em um arco amplo, acertando o peito da criatura com for?a. O monstro grasnou, recuando alguns passos, mas logo avan?ou novamente.
Ana estava come?ando a sentir o cansa?o se acumular. Seu bra?o doía com cada defesa, mas n?o havia o que fazer. O humanoide plumado a atacou com uma série de arranh?es e bicadas rápidas, sem deixar espa?o para respiro.
Ent?o, em um movimento rápido e imprevisível, o corvo lan?ou-se para frente, ignorando completamente os ferimentos que sofria. Suas garras agarraram o bra?o da mercenária com for?a, prendendo-a. Ela lutou para se soltar, mas a for?a do monstro era esmagadora, seus ossos come?avam a dar leves estalos pelo aperto.
Em um último movimento, com uma express?o quase que de zombaria, o corvo preparou-se para perfurar sua cabe?a, mas foi parado por uma massa de pelos vermelhos que se lan?ou em sua dire??o. O lobo e o corvo giraram pelo solo, agarrados um ao outro em uma brutal troca de mordidas e bicada, mas o embate durou apenas um instante, terminando com a ave abocanhando a mandíbula de seu oponente, arrancando a parte inferior de seu rosto.
— Você fez bem, garoto — sussurrou Ana, saltando nas costas da criatura negra enquanto via o lobo cair pesadamente no gramado, gravemente ferido.
Com determina??o feroz, come?ou a acertar a cabe?a da ave com sua bruta arma, golpe após golpe.
O corvo voou de costas em uma tentativa desesperada de se livrar do humano que o prendia, se chocando violentamente contra uma casa, fazendo Ana bater o corpo com for?a nas duras pedras. Ela sentiu a dor intensa do impacto e come?ou a vomitar sangue, mas se segurou firme e continuou a golpear a cabe?a do corvo sem cessar.
A carne e os ossos come?aram a se triturar sob os golpes implacáveis e, finalmente, a resistência do corvo se esgotou. Seus movimentos desaceleraram até parar completamente. Ana, exausta e ferida, caiu sobre o corpo inerte da criatura, respirando pesadamente.
“Galinha filha da puta”, pensou, fechando os olhos por um instante. A batalha ao redor ainda continuava, um massacre bizarro e incessante onde todos se matavam entre si, o que felizmente fazia o número de monstros diminuir a cada minuto, mas a pequena vila aos poucos tornava-se apenas uma doce memória.
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